Ah, essa memória que não me abandona! As relações especiais da Delta, empresa que toca sem licitação a obra de Cumbica, com o poder e os poderosos
Ah, essa memória que não me larga! No post anterior, vocês leram que parte do terminal remoto do Aeroporto de Cumbica, cuja inauguração está prevista para o próximo dia 20, desabou. A obra já chegou a ser paralisada por determinação legal. Para tocar o empreendimento, a Infraero escolheu, sem licitação, a empreiteira Delta. O dono […]
Ah, essa memória que não me larga!
No post anterior, vocês leram que parte do terminal remoto do Aeroporto de Cumbica, cuja inauguração está prevista para o próximo dia 20, desabou. A obra já chegou a ser paralisada por determinação legal. Para tocar o empreendimento, a Infraero escolheu, sem licitação, a empreiteira Delta. O dono da empresa, Fernando Cavendish, é um homem que tem amigos poderosos. Dois dos mais destacados são Sérgio Cabral e José Dirceu. No Rio, a Delta toca obras de R$ 600 milhões. Pelo menos R$ 164 milhões desse total foram contratados sem licitação. Naquele trágico fim de semana de junho, em que um acidente de helicóptero matou sete pessoas no litoral baiano, incluindo a nora de Cabral, o governador integrava o grupo que estava na Bahia para comemorar o aniversário de Cavendish. Cabral viajou àquele estado no avião particular de outro potentado do setor privado: Eike Batista (se quiser mais sobre o mundo cabralino, clique aqui . Adiante.
Cavendish cresceu muito durante o governo petista. Teve um “consultor” de peso: Dirceu. No começo de maio, VEJA publicou uma reportagem sobre a meteórica ascensão de Cavendish.
Em entrevista à revista, dois empresários, José Augusto Quintella Freire e Romênio Marcelino Machado, acusam o ex-ministro e chefão petista de fazer tráfico de influência em favor da Delta. Segundo os dois, Dirceu foi contratado por Cavendish para facilitar seus negócios com o governo federal. E como eles sabem? Eles eram donos da Sigma Engenharia, empresa que seria incorporada pela Delta em 2008; os três se tornariam sócios. O negócio emperrou e foi parar na Justiça. Oficialmente, a Delta contratou Dirceu como consultor para negócios junto ao Mercosul. Receberia modestos R$ 20 mil mensais pelo trabalho. De fato, dizem os denunciantes, a Sigma passou a ser usada por Cavendish para fazer transferências bancárias a Dirceu.
Um trecho da reportagem informa o desempenho da empresa de Cavendish no governo petista. Seu grande salto se dá a partir de 2009, ano da contratação de Dirceu. Segue trecho daquela reportagem em azul:
Durante o governo do ex-presidente Lula, a Delta passou de empresa de porte médio a sexta maior empreiteira do país. É, hoje, a que mais recebe dinheiro da União. Sua ascensão vertiginosa chamou a atenção dos concorrentes. Em 2008, a Delta já ocupava a quarta colocação no ranking das maiores fornecedoras oficiais. Em 2009, houve um salto ainda mais impressionante: a empresa dobrou seu faturamento junto ao governo federal. Em 2011, apesar das expectativas de redução da atividade econômica, o faturamento da Delta deve bater os 3 bilhões de reais – puxado por obras estaduais e do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento.”
Comprando senadores
Informa ainda a VEJA:
“Em reunião com os sócios, no fim de 2009, quando discutia exatamente as razões do litígio, o empresário Fernando Cavendish revelou o que pensa da política e dos políticos brasileiros de maneira geral: “Se eu botar 30 milhões de reais na mão de políticos, sou convidado para coisas para ‘c…’. Pode ter certeza disso!”. E disse mais. Com alguns milhões, seria possível até comprar um senador para conseguir um bom contrato com o governo: “Estou sendo muito sincero com vocês: 6 milhões aqui, eu ia ser convidado (para fazer obras). Senador fulano de tal, se (me) convidar, eu boto o dinheiro na tua mão!”.
“Relações promíscuas”
VEJA publicou uma entrevista com os dois empresários (reproduzo trechos) e volto para encerrar.
Que tipo de consultoria o ex-ministro José Dirceu realizou para o grupo Delta?
Romênio – Tráfico de influência. Com certeza, é tráfico de influência. O trabalho era aproximar o Fernando Cavendish de pessoas influentes do governo do PT. Isso, é óbvio, com o objetivo de viabilizar a realização de negócios entre a empresa e o governo federal.
E os resultados foram satisfatórios?
Romênio – Hoje, praticamente todo o faturamento do grupo Delta se concentra em obras e serviços prestados ao governo.
A contratação de José Dirceu foi justificada internamente de que maneira?
Romênio – A contratação foi feita por debaixo do pano, através da nossa empresa, sem o nosso conhecimento. Um dia apareceram notas fiscais de prestação de serviços da JD Consultoria. Como na ocasião não sabia do que se tratava, eu me recusei a autorizar o pagamento, o que acabou sendo feito por ordem do Cavendish.
O que aconteceu depois da contratação da empresa de consultoria do ex-ministro?
Quintella – A Delta começou a receber convites de estatais para realizar obras sem ter a capacidade técnica para isso. A Petrobras é um exemplo. No Rio de Janeiro, a Delta integra um consórcio que está construindo o complexo petroquímico de Itaboraí, uma obra gigantesca. A empresa não tem histórico na área de óleo e gás, o que é uma exigência Ainda assim, conseguiu integrar o consórcio. Como? Influência política.
A Delta, por ser uma das maiores empreiteiras do país, precisa usar esse tipo de expediente?
Romênio – Usa. E usa em tudo. O caso da reforma do Maracanã é outro exemplo. A Delta está no consórcio que venceu a licitação por 705 milhões. A obra mal começou e já teve o preço elevado para mais de l bilhão de reais. Isso é uma vergonha. O TCU questionou a lisura do processo de licitação. E quem veio a público fazer a defesa da obra? O governador Sérgio Cabral. O Cavendish é amigo último do Sérgio Cabral. A promiscuidade é total.
Voltei
É isso aí.
Depois de tudo, em julho, na inauguração do teleférico no Complexo do Alemão, na presença de Dilma, o vice-governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, celebrou a obra e a “vitória sobre os Ministérios Públicos”, fazendo um agradecimento explícito à Delta (aqui). Em agosto, dois meses depois do acidente, Cabral voltou a celebrar acordos com a Delta sem licitação, no valor, desta vez, de R$ 37,6 milhões. Tudo para “obras emergenciais”.
A Delta é mesmo a preferida do Rio e de Brasília. É a empresa que mais tem obras do PAC. Parte da de Cumbica, contratada sem licitação, desabou.