Começa nesta terça, 30, em São Paulo, a 36ª edição do evento mais importante da América Latina no universo de arquitetura, paisagismo e design de interiores, a CASACOR. No final de semana pude conferir todos os detalhes antes da abertura oficial e trago aqui algumas impressões da mostra sempre muito aguardada tanto pelos profissionais quanto pelo público em geral.
Pela segunda vez, ela acontece no Conjunto Nacional, no coração da Avenida Paulista, e o endereço emblemático já é o ponto de partida para as primeiras impressões. Lançado no final dos anos 50 com projeto de David Libeskind, o Conjunto Nacional tinha uma proposta inovadora e ousada para a época. Foi o primeiro projeto de uso misto na cidade, englobando propriedade residencial e comercial no mesmo espaço. Acabou se tornando na América Latina uma espécie de embrião do conceito de shopping center, que não tardou a ser um replicado em todas as partes do Brasil, em total sintonia com a ideia de aproveitamento de tempo, podendo morar e trabalhar no mesmo lugar.
A Casa Cor ocupa o 2º andar do prédio, na parte do mezanino e terraço aberto, em uma área de 11 mil m2 e que, ao longo do ano, está abandonada e inóspita. Difícil imaginar que os profissionais conseguiriam dar a vida e graça a uma laje tão fria e vazia. Na edição do ano passado, eles mostraram que, sim, é possível. A façanha se repete agora e o trabalho inclui lidar com alguns contratempos para montar um percurso de visitação de todos os espaços entre escadas, terraços e pé direito baixo em alguns momentos. As soluções encontradas foram ótimas. Até a sensação que ocorre às vezes de estar perdida em um labirinto é positiva. As surpresas vão aparecendo na forma de sucessão de cenários, como se as portas se abrissem para nos apresentar lindos espaços, com experiências que vão além do visual.
O tema dessa edição, que vai até 6 de agosto, é Corpo & Morada e o desafio dos profissionais do elenco 2023 foi apresentar projetos em referência à pele em que habitamos, além daquela do corpo, a da casa e a do planeta. Nem sempre dá para enxergar se essa ideia foi apresentada ou não nos 74 ambientes expostos, mas, sinceramente isso não importa muito, pois o lado artístico dos arquitetos permite uma liberdade poética na apresentação dos seus projetos autorais.
E a arte está presente em diversos momentos do circuito. A arquiteta e o paisagista peruanos, Augusta Pastore e Santiago Rosse, propõem uma reflexão sobre a relação dos seres humanos com a natureza. Outro conceito trabalhado na mostra é o do corpo ancestral, presente na instalação do artista Daniel Jorge, andarilho que correu o mundo e mergulhou na arquitetura periférica e nos padrões geométricos africanos no Benin e na Nigéria, traduzindo sua vivência em uma escultura-monumento. O visitante vai encontrar ainda a saga de Lampião e Maria Bonita, que é revisitada no painel desenhado pela designer de superfície Jade Marangolo, em parceria com a arquiteta Gleuse Ferreira, bisneta do casal. Pela primeira vez, a CASACOR São Paulo tem sua própria galeria de arte, com o gaúcho Cézar Prestes como curador convidado.
Muitas instalações e ambientes promovem reflexões e experiências durante o percurso da mostra. Mais de um profissional apostou em espaços para que o convidado se integrasse ao lugar, seja pisando nas pedras, como fez a arquiteta Ticiane Lima no seu jardim japonês ou caminhando pela belíssima trilha da floresta proposta pela Cardim Arquitetura Paisagística. Experiências olfativas também não faltaram. Diversos ambientes tinham seus aromas próprios, o que tornou o passeio ainda mais gostoso. Uma das paradas obrigatórias é o espaço de Sig Bergamin, com diversas propostas de banheiro imersas em um verde abundante que ele desenhou com os produtos da Deca, que está completando 30 anos de apoio ao evento. Seguindo pelo caminho dos sentidos, algumas marcas e profissionais levaram a música para encantar os ouvidos de quem explora os ambientes da mostra. Uma das primeiras arquitetas do circuito, Juliana Cascaes, colocou na abertura do evento para convidados no último sábado, 27, um piano de seu acervo familiar e brindou a todos com uma performance nas teclas em seu espaço que celebra o Estado de São Paulo, com as bandeiras desenhadas na madeira do teto. Na carona musical, a Casa Riachuelo levou para o local no mesmo dia uma roda de samba. Com seus integrantes sentados no sofá e integrados ao rico trabalho de Marcelo Salum, o grupo dava vida ao ambiente que celebra a brasilidade em todos os seus detalhes. O paladar finaliza a experiência dos quatro sentidos e marcou presença em 6 operações de restaurante, bar e café ou mesmo na horta proposta pela paisagista Mônica Costa.
A tecnologia não poderia estar de fora. Poucos são os ambientes que não trouxeram alguma novidade com televisores, projetores e telões em LED imersivos. Já a tecnologia com uma abordagem que trata da inclusão e diversidade não estava tão presente nos trabalhos, salvo a boa representação no ambiente do ArqTab e Maycon Fogliene que, juntos, idealizaram uma moradia funcional e automatizada para atender a diversas deficiências dos moradores, desde a porta larga e uma cadeira de rodas de ponta até a automação de eletrodomésticos e gavetas.
Importante reforçar que todo o ambiente da CASACOR é acessível e junto com a consciência da inclusão, esta também as práticas de ESG (conjunto de padrões que visa definir se uma empresa é socialmente consciente, sustentável e corretamente gerenciada) ao adotar medidas como obra secas, economia de energia e reutilização de recursos hídricos, coleta seletiva, programa de reciclagem e destino adequado para resíduos, inclusive assim como nos dois anos anteriores, a CASACOR São Paulo fará 100% de compensação para suas emissões de carbono, além de ter a certificação Lixo Zero.
Completei o tour inteiro e com atenção, inclusive passando pelas lojas ao final do percurso, em mais ou menos três horas. Ou seja, é um passeio que precisa reservar um período do dia para aproveitar bastante e com calma. Uma amiga perguntou se valia a pena a visita. Depois de ter visto tantos ambientes surpreendentes e diferentes e conhecer a tendência desse mercado, com certeza minha resposta é que, sim, vale muita a pena ir nas edições da Casa Cor — fica a dica para também visitar o entorno do Conjunto Nacional, localizado no coração da avenida mais paulista de toda a cidade.
Em tempo: a temporada nacional de CASACOR 2023 estreou no início de maio em Goiás e termina o mês abrindo as portas na Paraíba, seguindo depois para outros 18 estados e três países.