Pouco mais de um mês depois de o Tribunal de Justiça de Alagoas negar um pedido de habeas corpus para trancar uma ação penal contra um homem negro que virou réu pelo crime de injúria racial contra um homem branco e italiano, a Defensoria Pública da União produziu recentemente uma nota técnica em que aponta a impossibilidade de que a tese do “racismo reverso” tenha aplicação jurídica no Brasil.
“A lei nº 7.716/89 [Lei de Racismo] tem como objetivo proteger grupos sociais historicamente discriminados em razão de sua própria existência, não sendo possível a inclusão de pessoas pertencentes a coletividades historicamente hegemônicas e privilegiadas como sujeito passivo de tais delitos”, diz o documento, elaborado pelo Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU, que afasta a interpretação literal do normativo de que qualquer pessoa pode ser vítima de racismo.
A nota ressalta que o caso alcançou grande repercussão nas redes sociais e na imprensa em maio deste ano, principalmente com a mobilização do movimento negro e antirracista, que “percebeu os riscos de se reconhecer o ‘racismo reverso’ como tese juridicamente válida”.
“A potencial adoção da tese do ‘racismo reverso’ pelo Poder Judiciário nega que as práticas discriminatórias, segregacionistas e violentas da sociedade brasileira sempre tiveram como foco grupos étnico-raciais específicos, a exemplo da população negra e dos povos originários. Vai além. Cria precedente que descredibiliza e mesmo invalida a luta histórica antirracista, já que abre divergência quanto ao real significado do racismo no Brasil”, acrescenta o texto.
“Não é possível utilizar uma norma criada para a proteção de grupos e pessoas específicas, porque vítimas de discriminação racial, para a salvaguarda de indivíduos ou coletividades sem qualquer histórico como sofredor do racismo”, diz outro trecho da nota técnica.