Em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, país vizinho onde nasci, uma exposição de arte, chamada “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, curada pelo Santander Cultural, acaba de ser barrada, por força de protestos organizados pelo MBL – Movimento Brasil Livre (sic).
Alguns pontos sobre essa barbaridade (perdoe as obviedades).
1. Você pode protestar o quanto quiser. Pode discutir. Tentar me convencer. Boicotar. É seu direito. Mas não pode me impedir de ver – o que quer que seja. Nem de divergir da sua opinião. Esse é o meu direito.
2. Qualquer liberal sabe disso. E defende isso, acima de todas as coisas. O resto é totalitarismo. Seja de esquerda ou de direita. A sigla correta desses caras seria MBD. Ou MBC. Ou MBT. Ou MBF. Mas não pode ser MBL.
3. O Santander Cultural, em nota, ao justificar o tiro na nuca da exposição, que ficaria aberta ao público até 8 de outubro, diz: “o [nosso] objetivo é incentivar as artes e promover o debate sobre as grandes questões do mundo contemporâneo, e não gerar qualquer tipo de desrespeito e discórdia. (…) Desta vez, no entanto, ouvimos as manifestações e entendemos que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitavam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo. Quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana.”
4. O Santander Cultural é uma entidade privada e tem todo o direito de realizar a curadoria que quiser. Por isso mesmo capitular à sanha de censura e controle ideológico de uns sobre outros é um erro muito perigoso. Curadoria não serve para cabrestear o público. E não funciona com curadores no cabresto.
5. Não importa o conteúdo da exposição. Importa o direito à manifestação e ao diálogo – que devemos oferecer acima de tudo àqueles que pensam diferente de nós. Fosse uma exposição sobre a arte do Khmer Vermelho ou da Alemanha nazista, que me agredissem pessoalmente, e eu estaria aqui defendendo as portas abertas do mesmo jeito – como bom liberal.
6. Por fim: a arte quase sempre implica “desrespeito e discórdia”, a arte vive de questionar “símbolos, crenças e pessoas”, a arte tem a única função de ser arte, e, portanto, não tem qualquer compromisso com a “inclusão, a reflexão positiva ou o enlevo da condição humana” e nem precisa estar circunscrita à visão de mundo do curador. Um bom curador, ou qualquer mero amante de arte, sabe bem disso tudo – inclusive por se tratar de enorme platitude.
Texto originalmente publicado por Adriano Silva, jornalista, escritor e empreendedor, no Facebook.