Whitney Houston já era uma cantora famosa quando, em 1994, assombrou o planeta com uma apresentação antológica. Naquela noite, ela emendou de um fôlego só no palco do American Music Awards três canções que requerem uma extensão vocal impressionante, incluindo o indefectível hit I Have Nothing, da trilha do filme O Guarda-Costas. Na cinebiografia I Wanna Dance with Somebody, já em cartaz no país, a cena é mimetizada com brilho pela britânica Naomi Ackie — embora, por razões óbvias, a atriz que dá vida a Whitney na tela não se arrisque a cantar de verdade: a performance é dublada sobre a imbatível versão original da própria artista conhecida como A Voz.
Nos bastidores daquele show, mostra o novo filme, desenrolava-se uma tensão ignorada pelo público. Na plateia, segurando no colo sua filha bebê, estava o marido Bobby Brown (Ashton Sanders), com quem Whitney teve uma conturbada união. Mas eis que se revela um dado pouco conhecido: bissexual, a cantora também tinha a seu lado o amor da sua vida, a assistente de produção Robyn Crawford (Nafessa Williams), com quem namorou na adolescência — e que, por pressão do pai, o empresário John Houston (Clarke Peters), nunca assumiu como affair publicamente.
Whitney sairia do prêmio consagrada, definitivamente, como a cantora mais vitoriosa de todos os tempos. Até hoje seu nome está inscrito como insuperável no Guinness, o livro dos recordes, com 415 prêmios e mais de 400 milhões de discos vendidos. Dirigido pela cineasta Kasi Lemmons e produzido pelo executivo da indústria fonográfica responsável por descobrir Whitney, Clive Davis (um inspirado Stanley Tucci), o filme trata com apuro os feitos musicais da artista. Além da façanha de seu gogó no American Music Awards, recria a histórica interpretação do Hino Nacional americano em 1991, no Super Bowl — de causar arrepios em qualquer um.
O mesmo apuro, porém, é deixado de lado quando o filme trata da vida pessoal da cantora. Apesar de não esconder sua bissexualidade nem o vício em drogas, a cinebiografia passa ao largo de maiores polêmicas — possivelmente, para evitar os questionamentos legais e as pressões familiares que atingiram outros dois documentários recentes, Whitney: Can I Be Me? (2017) e Whitney (2018). A complicada relação com Bobby Brown é atenuada, e não se expõem as agressões físicas que ela sofreu nas mãos do marido na vida real. Não vemos, ainda, os lances deprimentes da Whitney transtornada pelo consumo de drogas e álcool — como foi flagrada tantas vezes pelos tabloides nos anos 1990. Ainda assim, o filme traz uma novidade relevante a esse respeito, ao retratar o elaborado esquema com que a diva comprava drogas: um traficante se fingia de fã, pedia um autógrafo e entregava a substância ilícita dentro do tubo da caneta com que ela assinava.
A espiral do vício fez de Whitney um dos casos mais tristes de ascensão e queda na indústria da música. Em 2012, aos 48 anos, ela foi achada morta numa banheira de hotel em Los Angeles, vítima de um afogamento causado por seus excessos. O filme não mostra o episódio, nem menciona a morte de sua filha única, Bobbi Kristina Brown, em 2015, aos 22 anos, de maneira assustadoramente semelhante. A talentosa Whitney teve um destino trágico — mas sua voz continua a encantar o mundo.
Publicado em VEJA de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824
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