Shania Twain nunca foi discreta. Adepta de uma extravagância calculada, foi eternizada com visuais portentosos como o do clipe de That Don’t Impress Me Much, em que surge vestida com estampa de leopardo da cabeça aos pés, enquanto faz pouco-caso de caras que se acham bons demais. A combinação da postura de mulher fatal com hits de letras empoderadas, de quem sabe se impor diante dos homens, rendeu a ela mais de 90 milhões de discos vendidos, 40 milhões só com Come on Over — trabalho de 1997 que é, até hoje, o álbum de estúdio de uma artista feminina mais vendido da história. Duas décadas depois, longe daqueles tempos de ouro, Shania tem a vida e a carreira revisitadas no documentário Not Just a Girl, lançado recentemente na Netflix e acompanhado de uma coletânea de seus sucessos já disponível nas plataformas de streaming.
Shania Twain – From This Moment on
Com entrevistas com nomes como Lionel Richie, Diplo e Avril Lavigne, a produção mostra como Shania, que se lançou na música country no início da década de 90, rompeu com as barreiras de gênero e se estabeleceu como inspiração para artistas que, agora, com seu sexto álbum de estúdio no forno, dão o empurrãozinho que faltava para trazer a musa de volta aos holofotes e apresentá-la à nova geração. O exemplo mais recente dessa empreitada aconteceu no Coachella, em abril, quando Harry Styles a levou ao palco do festival para cantar hits que marcaram sua carreira, como Still the One e Man, I Feel Like a Woman. Entre uma canção e outra, Styles, que tem na artista sua maior influência fashion, confessou que aprendeu a cantar ouvindo Shania no carro com a mãe. “Ela também me ensinou que homens são um lixo”, brincou ele. Até Anitta tirou uma casquinha. “Você passa a vida ouvindo a pessoa e de repente ela está dançando no seu show”, comentou sobre a presença de Shania em uma apresentação na Suíça.
Nascida em Ontário, no Canadá, como Eilleen Regina Edwards, Shania foi criada pela mãe e pelo padrasto, que deu a ela o sobrenome hoje famoso. Com dificuldades para colocar comida na mesa, a mãe levava a pequena Eileen, então com 8 anos, para cantar em bares e ajudar no sustento da casa. Mais tarde, aos 22, ela assumiu a criação dos irmãos depois que os pais morreram em um acidente de carro. Pensou em desistir da carreira, mas o emprego como cantora em um resort alimentava as crianças e dava a ela a chance de seguir na música.
Fearless (Taylor’s Version) [Gold 3 LP]
Logo a persistência mostrou seu valor. O primeiro álbum da cantora não fez barulho, mas foi seguido por The Woman in Me, que consolidou Shania como um fenômeno country com o hit Any Man of Mine, que rompeu o conservadorismo do gênero com versos como “Qualquer homem que seja meu / É melhor que ande na linha”. Determinada a ser uma atração global, adicionou altas doses de pop ao sucessor Come on Over, o mais bem-sucedido da carreira. Anos depois, a estrada sinuosa do country ao pop seria percorrida também por Taylor Swift — que, recentemente, compartilhou no TikTok um vídeo em que atribui a Shania a importância de ter revelado a ela que “garotas do country” podem, sim, fazer pop.
A jornada, porém, teve seus pontos baixos. Em 2004, durante a turnê do álbum Up!, Shania contraiu a doença de Lyme, infecção grave causada pela picada de carrapatos e temida no interior americano. A moléstia afetou suas cordas vocais e a afastou da música por anos. “Achei que tinha perdido minha voz para sempre”, proclamou ela, que voltou aos palcos em 2012, com uma residência em Las Vegas. O álbum inédito mais recente, Now, foi lançado em 2017, longos quinze anos após o antecessor. Em 2018, ela veio ao Brasil para a Festa do Peão de Barretos, no interior de São Paulo. O show, que custou 4,3 milhões de reais, foi o mais caro da história do evento. Agora, aos 56 e prestes a lançar um novo álbum, Shania viu a procura pelo seu catálogo nos Estados Unidos crescer 47% no streaming depois do lançamento do documentário. Com o feminismo em alta, a leoa do country nunca esteve tão empoderada em cena.
Publicado em VEJA de 24 de agosto de 2022, edição nº 2803
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