Desde muito antes do nascimento do mexicano Hassan Emilio Kabande Laija, de 24 anos, a música de seu país já era lembrada pelo clichê dos mariachis com sombreiros e canções derramadas. Mas suas raízes são muito antigas: remetem à Guerra de Independência do México, de 1820, quando surgiu o corrido, ritmo que trouxe os instrumentos adotados pelos mariachis anos depois, como acordeão, violino, trompete e guitarrón. Nos anos 1970, o corrido virou ritmo identificado com narcotraficantes, e chegou a ser proibido no México. Na mesma época, surgiu em Los Angeles o gangsta rap, que também fazia apologia da bandidagem. Quase cinquenta anos depois, da mistura dos dois gêneros surge o “corrido tumbado” — cuja sacada é deixar de lado o batidão do rap e ressuscitar instrumentos acústicos. O principal expoente dessa nova velha cara da música mexicana é justamente Laija — hoje convertido num rapper de nome e estilo peculiares, o Peso Pluma.
Nas letras — ainda bem —, a geração de Peso Pluma hoje prefere exaltar o amor, o sexo e o consumismo em vez da criminalidade. Com isso, o artista furou a bolha local para se impor como um fenômeno planetário. Dono de uma voz aguda e ligeiramente desafinada, além de um visual que em nada lembra os mariachis, abusando da franja e dos mullets (sim, mullets), ele tem hoje uma dezena de canções entre as 100 mais tocadas do mundo. Seu principal sucesso, Ella Baila Sola, gravada com Eslabon Armado (outro ídolo do corrido tumbado), acumula impressionantes 407 milhões de views no YouTube e quase 20 bilhões no TikTok, no qual suas coreografias viralizaram. Na letra, o rapaz fala sobre uma mulher dançando sozinha enquanto é admirada pelos homens.
Cantada em espanhol, Ella Baila Sola engrossa uma tendência que despontou em 2017, quando o porto-riquenho Luis Fonsi lançou Despacito — hoje com assombrosos 8,3 bilhões de reproduções no YouTube. O sucesso abriu portas para outros astros hispânicos atingirem o topo, como a catalã Rosalía, e o também porto-riquenho Bad Bunny. A qualidade musical pode ser duvidosa, mas o inequívoco sucesso de Peso Pluma comprova duas mudanças essenciais no pop. Uma delas é a ascensão dos imigrantes e seus descendentes nos Estados Unidos, que ajudaram a popularizar ritmos de seus países. A outra é a confirmação do idioma como força capaz de desafiar a primazia do inglês nas paradas. Segunda língua mais falada do mundo, com 500 milhões de falantes (atrás apenas do mandarim), o espanhol tem vocação natural para ocupar mais espaço na era do streaming globalizado. O corazón latino nunca bateu tão forte.
Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2023, edição nº 2866
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