Charli XCX tinha apenas 15 anos quando anunciou que iria sair de casa para morar em Londres com um amigo que conheceu na internet e promovia raves ilegais. Desesperados, seus pais conseguiram convencê-la a ficar no meio-termo: em vez de se mudar, ela poderia apenas tocar nas festas, acompanhada por eles. Foi com essa atitude pirracenta, em 2008, que a adolescente conseguiu lançar sua carreira de cantora. Hoje, aos 31, Charli rejeita o figurino de boa-moça, tão comum entre as estrelas, e assume, sem rodeios, a fama de malcriada. Apoiada por um público fiel, a nova bad girl do pop decidiu nomear seu recém-lançado sexto álbum, de Brat — em inglês, “pirralha”. As provocações já começam na capa do disco — um quadrado verde simples, sobre o qual o título é escrito em baixa resolução. Enquanto alguns se revoltaram com a singeleza, outros aplaudiram. Em post no X, Charli justificou a escolha com um rasgo feminista: “A demanda constante por acesso aos corpos e rostos de mulheres em capas de álbuns é misógina e entediante”.
BRAT – Charli XCX [Disco de vinil]
How I’m Feeling Now – Charli XCX [Disco de vinil]
Conhecida pelos hits Boom Clap e Fancy, Charli se consolidou não só por trabalhar com produtores incensados da música eletrônica, mas pela postura desafiadora. Numa era em que o pop parece alérgico à incorreção política — as rádios estão lotadas de artistas como Taylor Swift, que falam das dores da feminilidade e de relações tóxicas em letras chapa-branca —, a atrevida Charli chega para fazer um providencial contraponto. Não à toa, os fãs a identificam como uma anti-Taylor — e ela não deixa de incentivar a rivalidade. Sympathy Is a Knife, canção do novo álbum, deu margem para especulações nesse sentido nas redes. Na música, Charli canta sobre uma garota que a deixa insegura, destacando: “Não conseguiria ser ela, nem se eu tentasse / Somos opostas, estou do outro lado”. O detalhe capcioso é que ela diz não aguentar mais ver a tal garota nos bastidores do show de seu namorado (hoje noivo), George Daniel, baterista da banda The 1975. O grupo ganhou notoriedade no ano passado, quando Taylor viveu um namorico de um mês com o vocalista, Matty Healy. “Dedos cruzados, espero que eles terminem logo”, canta Charli. Ela não assume, mas também não nega as conjecturas sobre o alvo real de sua letra.
CRASH – Charli XCX [Disco de vinil]
As ousadias da moça vão muito além. Na faixa Spring Breakers, ela se imagina incendiando a cerimônia do Grammy: “Derramei um monte de gasolina no carpete, acendi um cigarro, dei uma tragada, então apenas o joguei”. O delírio tem razão de ser. Indicada duas vezes à premiação, em 2015, ela diz que desde então tem sido esnobada em razão das suas atitudes fora da curva. “As pessoas não querem ver garotas gostosas e malvadas prosperarem”, brincou nas redes quando não recebeu indicações pelo álbum Crash, de 2022. Charli XCX pode não ganhar o Grammy — mas faz barulho.
Publicado em VEJA de 14 de junho de 2024, edição nº 2897