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Martinho da Vila, sobre seu samba machista: “Talvez fizesse revisãozinha”

Lançando novo disco, 'Mistura Homogênea', cantor fala sobre racismo, letras antigas que se tornaram problemáticas e desfile de Carnaval em sua homenagem

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 11 mar 2022, 16h04 - Publicado em 11 mar 2022, 15h55
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  • Do outro lada do tela, em um videoconferência, o sambista Martinho da Vila dá tragadas em um cigarro e solta uma sonora risada antes de iniciar o bate-papo com a reportagem de VEJA. Ele está sentado em seu estúdio caseiro e veste uma camisa com o verso Quem é do Mar Não Enjoa, uma de suas músicas mais famosas, lançada em 1969. Na noite de quinta-feira, 10, o sambista lançou mais um novo álbum, Mistura Homogênea, que chega com mensagens contra o racismo, pela paz e pela tolerância religiosa. Como na música Vidas Negras Importam, em que canta: “Uma vida negra importa e quem assim não pensa tem a consciência torta”.

    Para ajudá-lo na gravação do disco, ele contou com a participação de todos os filhos e também de alguns netos, além de convidados especiais como Zeca Pagodinho, Teresa Cristina, Xande de Pilares, Djonga, Hamilton de Holanda e Paulina Chiziane, vencedora do prêmio Camões, de Moçambique.

    No bate-papo, além de falar sobre o novo trabalho, Martinho, que já declarou voto em Lula na eleição presidencial deste ano, reclamou da maneira como a Cultura está sendo conduzida. Comentou, ainda, sobre a homenagem que vai receber da sua escola de coração, a Vila Isabel, no desfile carnavalesco desse ano, adiado para abril, e tentou explicar a polêmica que envolve a canção Você Não Passa de Uma Mulher. A música, gravada em 1975 e que entrou na trilha sonora da novela Pecado Capital, tem versos machistas e proibitivos nos dias de hoje. “Talvez eu fizesse uma revisãozinha”, diz ele. Leia a seguir os principais trechos.

    Em 2020 o senhor lançou o disco Rio: Só Vendo a Vista, com letras contra o racismo. Em Mistura Homogênea o tema continua bastante presente. Por que manteve esse tom? Nelson Mandela dizia que o racismo é um mal que tem cura. Ninguém nasce racista, as pessoas aprendem a serem racistas com seus familiares, com o mundo. Mas, se ele aprendeu a ser racista, ele pode desaprender. E, principalmente, pode aprender a amar o próximo.

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    Chico Buarque afirmou recentemente que não cantará mais a música Com Açúcar, Com Afeto por causa da letra machista. O senhor acha que alguma de suas músicas devem passar por uma revisão como essa? Tenho muitas músicas que eu fiz e nunca cantei ao vivo. Tem algumas delas que talvez pudesse fazer uma revisãozinha. Sabe, daria uma atualizada. As coisas que eram feitas naquele tempo não soavam agressivas ou machistas. Agora soam. Imagine que o Noel Rosa tem a música Mulher Indigesta em que ele canta: “Mas que mulher indigesta, merece um tijolo na testa”. Se a letra tivesse sido escrita hoje, Noel Rosa teria sido linchado. Tem de fazer revisão mesmo.

    Da sua obra, a canção Você Não Passa de Uma Mulher foi apontada como machista. O que acha da letra hoje?  Quando eu vou compor, fico procurando as frases corretas para colocar nas letras. Nessa música, essa frase me incomodava, sim. O que eu queria dizer era que se tratava de uma grande mulher, mas esse verso não cabia. Ficamos matutando até encontrar outro verso, mas não veio. Meu produtor na época, Rildo Hora, disse para deixar daquele jeito mesmo que depois a gente mudava. A música acabou sendo lançada assim, entrou na trilha sonora da novela Pecado Capital e virou um sucesso. Eu tocava nos shows só no bis. Até ouvia umas vaias, uns “uuuhhh”, mas depois todo acabava cantando.

    O senhor já está com 84 anos. Qual é o segredo para aguentar o desfile na avenida? É mole. Dentro da avenida cada componente passa menos de meia hora. O que cansa mesmo é a concentração antes do desfile. Hoje, o que me cansa são os shows. Eu fico quase duas horas no palco e hoje é cansativo para mim. Então, dá para curtir o desfile sem problemas.

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    O senhor afirmou que este novo álbum é para encerrar sua discografia. O que quis dizer com isso? Pensa em se aposentar? Não é bem assim. Eu quero parar de lançar álbuns neste formato tradicional. Pensei em lançar só músicas isoladas de vez enquanto. Atualmente é assim que se faz, não é? Mas, o presidente da Sony Music, Paulo Junqueira, não gostou, não. Ele quer que eu continue gravando discos inteiros. Ele me sugeriu lançar uma música nova a cada dois meses e quando tiver material, juntamos em um novo disco. Gostei da ideia.

    O senhor já declarou voto em Lula nesta eleição. Como vê a atual gestão da Secretaria Especial da Cultura, sob o comando de Mario Frias? O governo brasileiro não parece muito preocupado com a cultura, não. Não vejo ações muito positivas e efetivas nesse sentido. Eles vão levando e não vejo com bons olhos o que está acontecendo.

    Neste ano, o senhor será homenageado pela Vila Isabel, sua escola de samba do coração, num desfile que já foi adiado duas vezes. Como vê o Carnaval em abril? Achei uma decisão lógica adiar o Carnaval, mas adiar para abril não é bom. Para mim, tinha que ser no ano que vem porque o Carnaval é uma festa que começa lá atrás. A alegria do Carnaval começa no Natal, passa pelo verão. Vem o réveillon. E em seguida explode com o Carnaval. Em abril não tem esse clima. Mas a homenagem lá na Vila é uma coisa fora de série. O Nelson Cavaquinho tinha a música As Flores em Vida, que dizia: “Me dê as flores em vida, depois que eu me chamar saudade, não preciso de vaidade, quero preces e nada mais”. Não sei como vou me comportar na avenida com um samba-enredo em minha homenagem. Vai ser emocionante.

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