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Martinho da Vila canta sobre o fim da vida e diz não ter medo da morte

Sambista lança no dia da abolição da escravatura o álbum 'Negra Ópera', com canções de letras dramáticas e arranjos soturnos

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 jan 2024, 12h11 - Publicado em 12 Maio 2023, 11h25
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  • A data não poderia ter mais auspiciosa: 13 de maio, dia da abolição da escravatura, para o lançamento do novo álbum do sambista Martinho da Vila. Intitulado Negra Ópera, o trabalho celebra Zumbi dos Palmares e tem em seu repertório canções escolhidas a dedo para falar da luta contra o racismo e o preconceito. O álbum surgiu a partir do livro Ópera Negra, também de Martinho, lançado em 2001, onde ele exalta as qualidades dos negros e fala sobre igualdade racial e a luta das classes mais pobres.

    Martinho, que é apaixonado por ópera, conta que decidiu fazer essa homenagem porque todo mundo “odeia” ópera, mas só odeia porque não conhece. “É o famoso não vi e não gostei”, diz. O trabalho tem ainda a participação de Preto, o sétimo dos oito filhos do compositor e o único que não havia cantado com o pai. Preto participa da música Exu das Sete. Detalhe é que Preto é da igreja Metodista. “É uma forma de demonstrar o respeito por todas as religiões”, diz Martinho.

    O disco, que conta com três canções inéditas, talvez seja o mais denso e soturno do sambista. Em regravações de canções trágicas como Serra do Rola Moça (com participação de Renato Teixeira), Mãe Solteira e Iracema, ele altera os arranjos animados para deixá-las mais dramáticas. Outra história trágica é cantada em Acender as Velas, sobre um assassinato do morro, é cantada apenas em voz e violão, com Chico César em um inspirado dueto. “As gravações originais são muito alegres. Não tem nada a ver com as letras”, justifica o compositor. Dentre as inéditas, ele gravou Diacuí, música composta por ele nos anos 60 e guardada desde então, que fala sobre a história da célebre índia do Xingu que casou com o sertanista Ayres Câmara Cunha, nos anos 1950, engravidou e morreu no parto. Em entrevista a VEJA, Martinho comentou sobre o disco e falou também sobre a proximidade da morte e racismo. Confira a seguir:

    No Brasil, Ópera sempre foi uma arte elitista, coisa de europeu e de branco. Ainda estamos longe de popularizar a ópera entre os brasileiros? Ópera tem sempre uma história dramática e chocante. É um espetáculo bonito. Mas ópera é um negócio que todo mundo “odeia”. Mas esse “todo mundo” também não viu. É o famoso “não vi e não gostei”. Eu já vi algumas. Gosto muito.

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    O disco tem canções com temáticas trágicas e talvez seja seu trabalho mais denso. Por que a escolha desse repertório? Aconteceu naturalmente. Meus discos geralmente são alegres e com muitos arranjos. Eu queria fazer uma coisa mais miúda e intimista.

    O sambista Martinho da Vila com Chico César
    O sambista Martinho da Vila com Chico César (Leo Aversa/Divulgação)

    A morte também está muito presente no álbum. É um tema que o senhor tem se preocupado recentemente? Eu não penso na morte. A morte é certa, já diz o verdadeiro dito popular. E o que é certo, vai acontecer. Não adianta ficar com medo. Temos que se preparar para ocorrer da melhor maneira possível.

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    Seu filho Preto canta Exu das Sete, uma música do candomblé. Por que a escolha dessa canção para interpretar com ele? Gosto de gravar com meus filhos. Mart’nália também gravou outra música comigo neste disco. Eu o convidei como uma provocação, já que ele da igreja messiânica. Achei que ele fosse dizer não, mas ele aceitou. É uma forma de mostrar que não devemos ter intolerância religiosa.

    A primeira gravação da canção Serra do Rola Moça (poema de Mário de Andrade) era um samba animado. Agora virou uma canção mais triste, quase um lamento sertanejo, gravada em parceria com Renato Teixeira. Como é a sua relação com a música sertaneja? Esse sertanejo romântico que tem por aí, eu não gosto muito não. Acho legal a coisa do interior, do boi, do rio, aquela coisa todo. Conheço o Renato desde 1967, por acasião do Festival da Record. Quando resolvi regravar essa música, eu lembrei dele, pedi um arranjo sério e ele aceitou na hora.

    O disco também presta uma homenagem a Zumbi dos Palmares. Com o novo governo Lula, o senhor tem acompanhado as mudanças na Fundação Zumbi dos Palmares, após a saída de Sérgio Camargo? O presidente Lula tem uma cultura geral muito grande. Ele encarna essa alegria e está recuperando o governo devagar, devagarinho. Sobre o Camargo, eu fiquei com pena dele. Ele é um cara preto com cabeça de branco racista. Uma tristeza. Mas acho que ele tem salvação. Ele tentou ser deputado em São Paulo, não foi eleito, caiu em desgraça.

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