Frequentemente questionado sobre o dia 6 de julho de 1957, quando conheceu John Lennon, encontro que, mais tarde, deu início aos Beatles, Paul McCartney desenvolveu uma história pronta e narrada de forma automática sobre a ocasião. Em resumo: aos 14 anos de idade, ele viu John pela primeira vez em uma festa nos fundos de uma igreja, em Liverpool, cantando em cima de um caminhão com sua banda da época, os Quarry Men. O grupo tocava de forma amadora a música pouco conhecida Come Go with Me, do The Dell-Vikings. Ao final, os dois foram apresentados e Paul corrigiu a afinação do violão de John e ensinou alguns acordes novos. John, por sua vez, achou esquisita a maneira como o canhoto Paul segurava o instrumento.
The Beatles Tune In – Todos esses anos: Volume 1
Educadíssimo, porém, Paul deixava um detalhe de fora de sua narrativa ao relembrar a ocasião, para não menosprezar o colega: “Eu achei incrível como ele inventava a letra conforme cantava”. O detalhe saboroso, que diz muito sobre a personalidade oposta, mas complementar dos músicos, é descrito com uma inédita riqueza de detalhes no primeiro volume da trilogia The Beatles: Todos Esses Anos. Parte 1: Tune in, do autor inglês Mark Lewisohn. Lançado no Reino Unido em outubro de 2013, a obra ganha agora uma edição brasileira pela editora Belas Letras: o calhamaço originalmente com 1 280 páginas será dividido em dois livros de cerca de 600 páginas cada no Brasil.
A obra é uma prova de que o interesse pelos Beatles continua, mesmo cinquenta anos depois do fim da banda. “Já escreveram sobre discos, filmes, roupas, guitarras, mas não havia, até agora, uma biografia realmente abrangente sobre o grupo”, disse Lewisohn a VEJA. Com mais de quarenta anos dedicados à pesquisa da história da banda, o autor está produzindo o segundo volume da biografia — a primeira parte vai até o dia 31 de dezembro de 1962, antes do estouro da beatlemania, a segunda vai abordar o período da fama mundial. “São livros grandes, mas não escrevo trivialidades. É uma pesquisa profunda sem ser chata”, defende o autor.
As letras dos Beatles: A história por trás das canções
Lewisohn destrincha a vida de personagens essenciais para a história dos Beatles e mergulha em épocas pouco conhecidas da banda — histórico que ajuda a entender melhor como o grupo chegou ao topo do mundo. Duas histórias de bastidores chamam a atenção: a morte precoce do baixista Stuart Sutcliffe, vítima de um AVC em 1962, aos 21 anos, quando já não fazia mais parte do grupo, e a saída do baterista Pete Best, que abriu a vaga para a entrada de Ringo, em agosto de 1962. “Pete saiu porque não se encaixava. John, Paul e George eram extrovertidos e ele não”, diz o autor.
A obra também desmistifica sensos comuns, como a ideia de que o grupo se estabeleceu do dia para a noite. “Quando os Beatles estouraram, eles já eram experientes”, afirma o autor. No início dos anos 60, os rapazes se mudaram para Hamburgo, na Alemanha. Lá, aprimoraram a relação entre banda e plateia, em uma agenda insana de shows, com jornadas de oito horas por dia. A experiência serviu como um intensivão de amadurecimento: eles afinaram o repertório, ganharam resistência vocal e encontraram o tom da energia que levariam para o mundo.
A jornada frenética os levou também ao consumo de anfetaminas. O livro resgata a única fotografia que vincula os Beatles ao consumo de drogas no início da carreira (a imagem da abertura desta reportagem). Nela, John, Paul, George e Pete exibem cápsulas de Preludin, um inibidor de apetite que causava euforia e deixava John elétrico. A primeira parte do trabalho biográfico de Lewisohn se encerra com o lançamento do álbum de estreia Please, Please, Me. Desde então, a música jamais foi a mesma.
Publicado em VEJA de 30 de novembro de 2022, edição nº 2817
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