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Jards Macalé, 81 anos: as saborosas confidências de um ‘maldito’ da MPB

Com quase sessenta anos de carreira, o carioca se mantém um dos compositores mais requisitados do país e inspira a nova geração

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 jul 2024, 08h00
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  • Jards Anet da Silva nunca foi um bom jogador de futebol — mas o fato de ser um dos poucos músicos cariocas dos anos 1970 a ter um carro lhe garantiu uma vaga no time de Luiz Melodia, o Estácio Holly Futebol Clube. Sua principal missão não era fazer gols e, sim, dirigir cerca de 30 quilômetros do Estácio até o Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, para levar a turma a uma partida no campo do Politheama, o time de Chico Buarque. Na primeira oportunidade, Jards deu uma canelada no próprio Chico, que caiu fazendo drama. “Foi o suficiente para o Melodia me tirar de campo. Não dava para fazer falta no dono da bola”, diz ele — fazendo jus ao apelido que ganhou na infância e hoje carrega como sobrenome: Macalé é “homenagem” ao jogador perna de pau do Botafogo dos anos 1950.

    Jards Macalé: Eu só faço o que quero – Fred Coelho

    Naturalmente, ele nunca mais foi convidado para jogar. “Imagina se eu quebrasse a perna do Chico?”, riu em conversa com VEJA. Mas, como músico e compositor, jamais deixou de ser titular absoluto da elite da MPB — e, com o passar dos anos, só ampliou seu prestígio, acumulando também um manancial de causos divertidos da convivência com colegas famosos. Aos 81, o discreto Macalé dispensou qualquer grande comemoração de aniversário e não pretende fazer nada especial em 2025, quando completa sessenta anos de carreira. Recentemente, fez um emocionante show na Casa Natura, em São Paulo, com canções de seu novo álbum, Coração Bifurcado, lançado meses atrás.

    Uma história da música popular brasileira: das Origens à Modernidade – Jairo Severiano

    Celebrado pela nova geração de cantores e compositores, Macalé segue ativo e sem desejo de se aposentar, fazendo shows em pequenos espaços e mirando o futuro — inclusive, cuidando da saúde a seu modo curioso. Como odeia exercícios físicos, tomou uma atitude atrevida no prédio onde mora, no Leme. “Raptei o personal trainer da Zezé Motta”, brinca. Ele explica que a atriz mora no sétimo andar de seu prédio e ele aproveitou a facilidade para contratar o profissional a fim de “destravar” seu físico para os shows. “Hoje sou mais cuidadoso, porque não sei como serão os próximos 80 anos”, diz.

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    Grandes momentos No alto, com Caetano Veloso em Londres; ao centro, com Gal; e em um festival nos anos 1970: muitas histórias e parcerias
    Grandes momentos No alto, com Caetano Veloso em Londres; ao centro, com Gal; e em um festival nos anos 1970: muitas histórias e parcerias (Pedro Paulo Koellreutter; @galcosta/instagram;/Arquivo pessoal)

    Nascido na Tijuca e criado em Ipanema, Macalé compôs, ainda adolescente, sua primeira música, Amo Tanto. Anos depois, os versos dramáticos (“Meu amor, vim te dizer que sem ti não sei viver / Vem comigo / Que sem teu amor melhor morrer”) seriam gravados com primor por Nara Leão (1942-1989) no álbum Nara Pede Passagem (1966). Compor para mulheres, aliás, se tornou uma de suas especialidades, com gravações imortalizadas por Elizeth Cardoso (Meu Mundo é Seu), Clara Nunes (O Mais que Perfeito) e muitas outras. O novo disco também conta com várias dessas colaborações femininas, como a de Maria Bethânia em Mistérios do Nosso Amor. Com a cantora, Macalé guarda uma cumplicidade notável. Aos 18 anos, quando ela se mudou da Bahia para o Rio para substituir Nara Leão no espetáculo Opinião, ficou hospedada na casa de Macalé, que tocava violão na peça. Ainda que traga algumas de suas musas, o álbum tem uma ausência eloquente: a de Gal Costa, uma das principais intérpretes da obra de Macalé. Foi a voz de Gal que consagrou Vapor Barato, feita em parceria com o poeta Waly Salomão (1943-2003). “Não sei qual é o segredo de Vapor Barato, talvez seja o tema. É uma canção de despedida e de exílio”, explica. Gal gravaria a canção Simples Assim para o disco, mas sua morte em 2022 frustrou o projeto.

    Caderno de Poesias – Maria Bethânia

    A carreira de Macalé, porém, também ficou marcada pelas ruidosas vaias que recebeu em 1969 no IV Festival Internacional da Canção, ao entoar a música Gotham City. “Como dizia Nelson Rodrigues, só a vaia consagra. No dia seguinte, só se falava de mim”, diz. Nos anos posteriores, ganhou a fama de “maldito” da MPB, ao lado de Melodia, Jorge Mautner e Itamar Assumpção, por não se render aos desígnios das gravadoras. “Esse negócio de maldito ficou no ar. Em princípio, adorei a ideia de estar junto de poetas como Baudelaire e Rimbaud. Mas, com o passar dos anos, a pecha de maldito virou maldição.”

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    Vozes do Brasil: Entrevistas reunidas – Patricia Palumbro

    Embora nunca tenha dado bola para o estigma, houve uma ocasião, em meados dos anos 1980, em que o alegre Macalé pensou em “desistir de viver”. Com ideias terríveis na cabeça, procurou o amigo João Gilberto, pedindo para ouvir sua voz pela última vez. Ao saber de suas agruras, o pai da bossa nova o convidou para ir à sua casa e cantou No Rancho Fundo ao pé de seu ouvido, o que comoveu Macalé. Só que João ficou repetindo a mesma música ao violão pela madrugada inteira. “Cochilei. No outro dia, nem sabia mais por que estava triste”, conta. Dessa forma singela, quem diria, João Gilberto prestou mais um belo serviço à MPB. O maldito favorito continua por aí cantando e compondo — só não o convidem para a próxima pelada.

    Publicado em VEJA de 12 de julho de 2024, edição nº 2901

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