O cantor Erasmo Carlos nos deixou nesta terça-feira, 22, aos 81 anos, e com ele morre também uma parte essencial da história do rock no Brasil. Sem exageros, a música brasileira não seria a mesma sem as composições e o ímpeto rebelde deste gigante gentil, apelido carinhoso e literal (ele tinha 1,93 metros) que ganhou nos anos posteriores à Jovem Guarda. Da amizade com Roberto Carlos (que ele conheceu ainda nos anos 1960 na Tijuca) surgiu uma das mais prolíficas parcerias musicais do Brasil, com composições como É Preciso Saber Viver, Sentado à Beira do Caminho e Quero que Vá Tudo pro Inferno.
Internado no início do mês, o artista tratava uma infecção pulmonar e um quadro de síndrome edemigênica, mas teve alta no dia 2 de novembro. Ele, no entanto, já vinha sofrendo com alguns problemas de saúde há algum tempo. Em agosto de 2021, ele passou uns dias no hospital internado com Covid-19 e tratava um tumor no fígado, descoberto em estágio inicial alguns anos antes. Em entrevista recente a VEJA, Erasmo disse que se via como um menino. “Por dentro, a minha mente é de um menino. Agora, a parte física que não me obedece.” Na última semana, o músico havia celebrado a vitória no Grammy Latino de melhor álbum de rock em língua portuguesa por seu mais recente trabalho, O Futuro Pertence à… Jovem Guarda.
Um dos maiores compositores do Brasil e ídolo de gerações, Erasmo Esteves, seu nome de batismo, nasceu em 5 de junho de 1941, na Tijuca, no Rio de Janeiro. Apaixonado por música e fanático torcedor do Vasco da Gama, ele aprendeu a tocar violão com Tim Maia, um de seus melhores amigos da adolescência. Além de Tim, também moravam no bairro Jorge Ben Jor e Roberto Carlos (que se mudou para a capital fluminense ainda na adolescência). Influenciado por Elvis Presley e o rock and roll, ele fez parte do grupo The Sputniks, que teve entre seus integrantes o próprio Roberto Carlos e Tim Maia.
Cansado de tocar apenas covers com traduções de músicas em inglês, Erasmo formou com Roberto Carlos, que se tornou o seu maior amigo, a Jovem Guarda, uma das mais impressionantes e prolíficas parcerias musicais da história brasileira. Em 1965, o grupo foi levado para a TV, no programa Jovem Guarda, que também contou com a presença da cantora Wanderléa. A atração influenciou gerações e alçou ao estrelato nacional os três artistas. Mais ou menos nessa época, Erasmo ganhou o apelido que o acompanharia pelo resto da vida, Tremendão. “Já fui muito deslumbrado com aquele sucesso avassalador da Jovem Guarda. Aquilo foi terrível. Hoje em dia eu sou um cara superdiscreto”, disse a VEJA.
Com o fim da atração, em 1968, Erasmo e Roberto seguiram carreira-solo, mas continuaram compondo juntos durante os anos seguintes. São da dupla hits inesquecíveis como É Preciso Saber Viver, Além do Horizonte, Detalhes, Sentado à Beira do Caminho e Quero Que Vá Tudo Pro Inferno.
Nos anos 1970, ele participou ainda com o colega da Jovem Guarda de diversos filmes, como Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora (1971) e Os Machões (1972). Mas foi com o lançamento do disco Carlos, Erasmo, em 1971, que o cantor finalmente se firmou como um ídolo do rock. O álbum, cultuado até hoje, com músicas como De Noite na Cama, Masculino, Feminino, Gente Aberta e a polêmica Maria Joana, que, em plena ditadura militar, falava sobre o consumo de maconha. “As pessoas consideram esse disco como meu melhor trabalho, mas eu gosto mesmo é do anterior: Erasmo Carlos e os Tremendões. O Carlos, Erasmo é o que eu chamo do meu primeiro disco adulto. Mas foi no Tremendões que eu comecei a liberar a minha mente, com gravações como Coqueiro Verde, Saudosismo e Teletema. Foi ali que eu comecei a botar as asinhas de fora. Ele foi o meu vestibular para a fase adulta”, disse.
Nos anos 1980, enquanto o amigo direcionou a carreira para as canções românticas, Erasmo se dedicou ainda mais ao rock’n’roll. Compôs músicas para Nara Leão, Maria Bethânia, Gal Costa, As Frenéticas, Rita Lee e muitas outras. Durante os anos 1990, o artista enfrentou uma tragédia familiar. Sua ex-esposa e musa inspiradora, Sandra Sayonara Saião Lobato Esteves, em 26 de dezembro de 1995, morreu aos 49 anos após ter tentado suicídio outras duas vezes. O casal havia se separado quatro anos antes.
Nos anos 2000, Erasmo recuperou o vigor e voltou a fazer shows e a compor como nunca. A turnê Erasmo Convida, Volume II rodou o Brasil com um show em que fazia encontros musicais com grandes nomes da música. Em 2014, outra tragédia. O filho, Alexandre Pessoal, de 40 anos, morreu após um acidente de moto. Erasmo se refugiou no trabalho. Nos últimos anos, lançou cinco novos discos, um sobre rock and roll, outro sobre sexo e um outro sobre samba. Em 2021, quando completou 80 anos, o artista ganhou um documentário no canal Globoplay, dirigido por Pedro Bial, em que ele repassava os principais pontos da sua carreira. O cantor deixa dois filhos e a esposa, a pedagoga Fernanda Passos, de 32 anos.