Ao longo do tempo, a Música Popular Brasileira, vulgo MPB, já teve inúmeras vitrines capazes de projetar novos talentos. Em 1965, Elis Regina conquistou o país em uma arrebatadora apresentação no primeiro festival da canção – e esses eventos consagrariam muita gente, dos tropicalistas a figuras como Amelinha, daquela década até seu último (e cafona) soluço, nos anos 1980. Programas populares como o do Chacrinha e do Faustão também já serviram a esse propósito. Outros artistas foram descobertos no boca a boca, como Ana Carolina, que começou tocando ao vivo em barzinhos de Juiz de Fora. Agora, num sinal dos tempos sobre o estado da MPB, um novo palco se impõe: o reality show Big Brother Brasil.
Dono de uma das maiores audiências da TV aberta do país, o programa vem atraindo participantes dispostos a qualquer coisa para triunfar na música, seja ampliando seu público ou iniciando no BBB, do zero, uma nova carreira musical. Da rapper Karol Conká à sertaneja Naiara Azevedo, aspirantes ao estrelato musical de todos os gêneros tentaram a sorte por lá. Mas a turma da MPB é que tem se saído melhor na tarefa de aproveitar os holofotes da Globo. Na vigésima edição do programa, Manu Gavassi se valeu de uma estratégia certeira para deslanchar sua carreira: deixou pré-gravados clipes de novas canções, que sua equipe divulgava a cada semana. O repertório repercutiu – resta saber se em função de uma qualidade intrínseca ou só em razão de sua figura carismática e divertida na TV.
O caso mais exemplar até agora, contudo, é o da ex-maquiadora e advogada paraibana Juliette Freire, 32 anos. Totalmente desconhecida do público, a neo-cantora conquistou na edição do ano passado a simpatia dos espectadores ao interpretar descompromissadamente xotes, baiões e forrós durante sua estadia na “casa”. Ao vencer o jogo, Juliette levou não só 1,5 milhão de reais no bolso, mas incontáveis convites para gravar discos. Estava cristalizada, assim, uma nova vertente da música nacional: uma certa “MPB do BBB”.
A transformação do programa em vitrine da música brasileira começou quando Boninho misturou participantes famosos com pessoas comuns. No confinamento, o público descobriu, para o bem ou para o mal, a verdadeira personalidade de cada um. Karol Conká e Naiara Azevedo queimaram seu filme lá dentro – e o esforço saiu pela culatra. O caso de Juliette foi inverso: carismática, ela nadou de braçada. Exibindo uma bela voz, fez uns covers bacanas, como em Triste, Louca ou Má, de Francisco El Hombre, ou Garganta, de Ana Carolina. Foi o suficiente para virar cantora.
Claramente, porém, ainda falta estofo para a ex-BBB encontrar algum elemento que a diferencie de outros artistas. Ela se mescla a uma massa de “novos talentos” da música que investem na mesma fórmula anódina. Suas canções bebem de uma MPB fofinha que pode não incomodar e às vezes até ser agradável de ouvir – mas não acrescenta muito. Para surpresa de zero pessoas, descobre-se então que a MPB do BBB é isso: uma música tão insossa quanto aquele tema de abertura do Paulo Ricardo.
Juliette assinou contrato com a Virgin Music, subsidiária da Universal Music, e lançou em setembro do ano passado seu primeiro EP. As seis faixas soam como um genérico de Melim, Anavitória e Vitor Kley, e emulam ainda o baião de Luiz Gonzaga e as canções de Gilberto Gil. Na música Diferença Mara, ela canta um manjadíssimo bordão da autoajuda: “Nunca foi sorte, sempre foi Deus”. Em Bença, pontifica: “Rapadura é doce, mas não é mole”. Juliette já angariou apoio de gente de peso. Virou amiga de Anitta e fez uma concorrida live com o próprio Gil. No dia 26 de março, no Rio de Janeiro, ela inicia sua primeira turnê, Caminho, com shows também em João Pessoa, Vitória, São Paulo e Recife. Eis uma boa chance de constatar se a MPB do BBB tem futuro.