“Ficou mais claro que preciso aproveitar o tempo que eu nunca tive, me encontrar e voltar mais forte.”
Shawn Mendes, cantor canadense, que cancelou a turnê para cuidar de si
O primeiro grito de socorro do canadense Shawn Mendes veio na letra da música In My Blood, há quatro anos. “Me ajude / É como se as paredes estivessem desmoronando / Às vezes, sinto vontade de desistir”, ele cantava. Há duas semanas, Mendes finalmente sucumbiu. Aos 23 anos, o artista anunciou o cancelamento de sua turnê para reencontrar o equilíbrio psíquico perdido. “Estarei de volta assim que me curar”, escreveu em suas redes sociais. A atitude corajosa do artista foi recebida com naturalidade e a pronta solidariedade dos fãs. Mas assinala uma inflexão notável no modo como os artistas da música lidam com seus transtornos pessoais.
Até poucos anos atrás, os tabus que cercavam problemas como abuso de drogas, depressão e ansiedade ensejavam grotescos espetáculos de humilhação, que rendiam comentários jocosos em tabloides e despertavam o sadismo na internet. Hoje, o enfoque mudou: em vez de esconderem até desabar diante dos olhos do público, as estrelas admitem suas agruras, e não se furtam a falar delas com franqueza. Dão nome, sobretudo, ao que está em jogo: a saúde mental.
Ao adotar a nova postura, Shawn Mendes não se encontra sozinho. O cantor Justin Bieber, de 28 anos, conheceu a fama ainda na infância, e teve seu comportamento errático noticiado no mundo inteiro. Até que, cinco anos atrás, ele desapareceu da vida pública. Os fãs ficaram sem entender nada. Em 2020, o documentário Justin Bieber: Next Chapter revelou que o músico travava uma batalha contra a depressão. “Se você está se sentindo solitário, fale sobre isso. Diga em voz alta”, disse. Recuperado, Bieber voltou aos palcos e se apresentará em setembro no Brasil, no Rock in Rio.
Lady Gaga, de 36 anos, foi outra que se abriu sobre sua saúde mental em um documentário revelador, Gaga: Five Foot Two, de 2017. No filme, a cantora confidencia que se afastou dos palcos devido a uma fibromialgia que lhe causava dores excruciantes, além de sofrer de estresse pós-traumático, razões pelas quais naquele mesmo ano cancelou em cima da hora sua apresentação, coincidentemente, no Rock in Rio.
Falar sobre os problemas com honestidade não deixa de ser uma forma de terapia — e, para os artistas pop, também traz ganhos de imagem, claro. Após superar seu drama, Lady Gaga deu testemunho do que passou em palestras. A inglesa Adele, de 34 anos, também extrai lições de suas aflições. Após desaparecer por algum tempo e surpreender os fãs ao ressurgir muito mais magra, ela explicou que a mudança não estava relacionada à estética, e sim à busca de equilíbrio. “Um dos motivos pelos quais as pessoas ficaram chocadas com minha perda de peso foi porque não compartilhei o processo nas redes sociais”, disse. “Nunca foi sobre perder peso. Sempre foi sobre ficar forte e dar o máximo de tempo a mim todos os dias sem usar o celular”, completou. De volta, Adele lançou o álbum 30 e emendou uma turnê em Las Vegas.
Com seu alerta sobre os efeitos danosos das redes, Adele ilumina um ponto essencial: além de enfrentar seus tormentos, os artistas precisam dar conta do escrutínio invasivo da internet. Ainda antes de seu advento, é fato, a indústria da música já se notabilizava como uma máquina de moer carne. No passado, comportamentos autodestrutivos foram romantizados ou vistos como fraqueza. A compreensão sobre a gravidade do problema é resultado de anos de campanhas de conscientização. Justin Bier já declarou que a mudança na maneira como as pessoas encaram hoje os transtornos mentais dos famosos teve peso crucial em sua recuperação.
Em abril, a organização Toronto Over the Bridge lançou o projeto Lost Tapes of the 27 Club, que usou uma ferramenta de inteligência artificial para compor músicas “inéditas” de artistas que morreram aos 27 anos, como Kurt Cobain e Amy Winehouse. As letras chamam a atenção para a saúde mental. Se os gritos de socorro de Cobain e Winehouse tivessem sido ouvidos, talvez o destino de ambos fosse diferente. Ainda bem que isso está mudando.
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801
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