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Um poema de amor que “fala gostoso o português do povo”

Camões, Pessoa e Drummond são indispensáveis, mas há muito a se descobrir fora da sala de aula

Por Maicon Tenfen 3 set 2018, 23h47
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  • É mentira que as pessoas não gostam de poesia. O que há é uma desastrada confusão a respeito do tema. Para a grande maioria, poemas são extensos conjuntos de versos rimados em “ão”. Escritos por algum tuberculoso que levou um fora da namorada, obrigatoriamente falam de amor e nada mais.

    Para agravar o problema, em geral só conhecemos a poesia através dos livros didáticos, que vêm atrelados a provas, tarefas, notas e boletins. E pior: os poemas mais divertidos encontram-se a quilômetros dos manuais. Não digo que Camões, Pessoa e Drummond sejam dispensáveis, mas sem dúvida há muito a se descobrir fora da sala de aula.

    Zé da Luz, por exemplo. Excetuando os entendidos e os sortudos, levante a mão quem já leu ou ouviu algum poema desse artista do cordel que nasceu em Itabaiana (PB) e faleceu já faz um tempinho, em 1965, no Rio de Janeiro. Simples e comoventes, seus textos imitam a fala sertaneja e tratam dos mais variados assuntos.

    “O que é Brasí Caboco?”, pergunta ele, para imediatamente responder com versos carregados de inocência e bairrismo: “É um Brasí diferente/ do Brasí das capitá./ É um Brasí brasilêro, sem mistura de instrangero,/ um Brasí nacioná!”

    Mais radiante é um poema intitulado A Cacimba. Depois de descrever uma fonte de água vertente onde um “magóte de môça/ quage toda manhazinha” se reúne para tomar banho de cuia, arremata com uma excelente estrofe de subentendidos: “Eu não sei pru quê razão,/ as águas dessa nascente,/ as águas que ali se vê,/ tem um gosto diferente/ das cacimba de bêbê…”

    Efeito parecido, porém conseguido de forma mais direta, possui a paródia As flô de Puxinanã, na qual um eu-lírico bem picaresco descreve três irmãs que conheceu numa festa: Ogusta, “a mais ribusta”; Guléimina, dona de “uns ói qui ô! mardição!/ matava quarqué cristão”; e a mais novinha, que se destacou por um motivo muito especial: “A tercêra era Maroca./ Cum um cóipo muito má feito./ Mas porém, tinha nos peito/ dois cuscús de mandioca.”

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    De todos os poemas de Zé da Luz, nenhum é mais representativo que Ai! Se sêsse!… Conta a lenda que o texto nasceu de um desafio. Um amigo do poeta afirmou que só a linguagem polida e gramaticalmente correta seria capaz de transmitir uma declaração de amor. A resposta segue abaixo, na íntegra, presente que remeto ao usuário aqui do blog. Se você não sofre de timidez, leia em voz alta e aproveite o encadeamento sonoro da composição.

     

    Se um dia nós se gostasse;

    Se um dia nós se queresse;

    Se nós dois se impariasse,

    Se juntinho nós dois vivesse!

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    Se juntinho nós dois morasse

    Se juntinho nós dois drumisse;

    Se juntinho nós dois morresse!

    Se pro céu nos assubisse?

    Mas porém, se acontecesse

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    qui São Pêdo não abrisse

    as portas do céu e fosse,

    te dizê quarqué toulice?

    E se eu me arriminasse

    e tu cum eu insistisse,

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    prá qui eu me arrezorvesse

    e a minha faca puxasse,

    e o buxo do céu furasse?…

    Tarveiz qui nós dois ficasse

    tarveiz qui nós dois caísse

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    e o céu furado arriasse

    e as virge tôdas fugisse!!!

     

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