Hoje Gabriel Garcia Márquez está sendo homenageado pelo Google. É o dia do seu aniversário. Completaria 91 anos se estivesse vivo. Considerado por seus conterrâneos como “o maior colombiano que já viveu”, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1982 e foi um dos principais responsáveis por fazer com que o resto do mundo olhasse para a América Latina.
Entre 1972 e 1974, quando viveu em Barcelona, foi vizinho e amigo íntimo de outro escritor de nomeada, o peruano Mario Vargas Llosa, que também receberia o galardão da Academia Sueca, bem mais tarde, em 2010. No bairro de Sarriá, a poucos metros um do outro, escreveram dois clássicos da moderna literatura em língua espanhola. Enquanto Gabo dava forma a O Outono do Patriarca, Llosa preenchia as páginas de Pantaleão e as Visitadoras.
Como quase todos os intelectuais do seu tempo, ambos se encantaram com a revolução cubana de 1959.
Acontece que as opiniões de Llosa mudaram muito de lá pra cá. Se em 1967 profetizava que “dentro de dez, vinte ou cinquenta anos terá chegado a todos os nossos países, como agora em Cuba, a hora da justiça social”, mais recentemente, ao proferir um elogio ao Chile, mostrou-se satisfeito com a tendência dominante no país, que “é a de optar por esse modelo de privatização (…) e, numa palavra, estabelecimento de economias de mercado”.
O velho Márquez, por sua vez, foi um dos poucos nomes das letras e das artes — ao lado do brasileiro Oscar Niemeyer — que se mantiveram rigorosamente fiéis à revolução tropical, mesmo quando algum cubano aparecia fuzilado numa tentativa de fuga. Não escondia de ninguém que o compadre Fidel Castro deu pitacos no primeiro capítulo de Crônica de uma morte anunciada, ao corrigir, no original, uma descrição falha de armamentos de caça.
Em fevereiro de 1976 aconteceu o inesperado. Num cinema mexicano, Llosa, dez anos mais jovem, nocauteou Márquez com um cruzado de direita (um tremendo puñetazo, como noticiaram os jornais da época). Com orgulho patriótico, um diário limenho publicou uma charge em que um pugilista peruano, visivelmente superior, derrubava um colombiano no ringue. “Estourou o boom literário latino-americano” era a legenda.
Até hoje os jornalistas e os biógrafos questionam os reais motivos da agressão, já que Gabo morreu sem nunca dar uma palavra sobre o assunto, no que foi imitado por Llosa. No fragmento da entrevista abaixo, que ocorreu logo depois do incidente, o peruano é questionado sobre o soco e se mostra visivelmente constrangido.
https://www.youtube.com/watch?v=e0MM5N5zOys
Seriam as divergências políticas tão poderosas a ponto de levarem os dois às vias de fato? Acaso os leitores de suplementos literários assistiam a uma espécie de metonímia da falência do diálogo e da civilização perante as adversidades da Guerra Fria? Que nada! Como todo mundo deve estar imaginando, quem se dispôs a desvendar o mistério começou com a frase máxima dos romances policiais franceses, cherchez la femme, ou seja, “procure a mulher”.
Llosa foi casado durante 50 anos com sua prima Patrícia. Dado a aventuras galantes, adorava viajar e ficar longe de casa. Certamente não esperava que logo o amigo do boom apareceria para fazer uma visitinha à sua esposa. Para Gerard Martin, biógrafo de Garcia Márquez e agora do próprio Llosa, Gabo queria apenas abrir os olhos de Patrícia sobre o comportamento do marido — em outras palavras, deu uma de fofoqueiro. Já Xavi Ayén, autor de Aquellos Años del Boom, dá a entender que o colombiano foi um pouco mais longe do que isso.
Seja lá o que houve, o fato é que Patrícia contou tudo ao marido, e o autor de Cem Anos de Solidão, melhor escritor que conquistador, acabou tomando um soco no olho. O episódio é um retrato preciso da alma latina. Que se pregue a revolução, e não importa se ela for socialista ou liberal, discutiremos isso numa mesa de boteco. Agora, se usted chegar perto da minha mulher…