Imagine que você viva no século XIX — em 1890, por exemplo — e esteja morrendo de vontade de participar de uma orgia. Vamos reconhecer que as suas possibilidades são limitadas, principalmente se você quiser uma orgia, digamos, “autêntica”, em que as outras pessoas estejam ali por um desejo semelhante ao seu e não por serem profissionais do sexo pagas para atender aos caprichos de mais um cliente boboca e esquisitão. (Aqui partimos do princípio de que dinheiro não seria problema). Se você viver numa cidade pequena ou demasiado provinciana, as suas chances estão próximas de um patamar negativo. O jeito seria mudar para um grande centro europeu — Londres seria a melhor pedida — e se candidatar a uma das muitas seitas satânicas que existiam na época. Depois de meses de rituais iniciáticos com vendas nos olhos e cordas no pescoço, da adoração de cruzes invertidas e do estudo de tratados mal escritos e sem sentido, você finalmente seria convidado — ai meu Deus, ai meu Deus! — a participar de uma missa negra que começaria com uma brincadeira de roda e terminaria com uma suruba onde tudo, mas tudo mesmo, até o que você não esperava, pode acontecer. Valeria a pena? Depois de tanto esforço e sacrifício, é certo que você não admitiria a si mesmo o menor traço de decepção ou arrependimento.
Agora vamos supor que você viva em 2018 e continue com a mesma vontade irrefreável de exercitar a sua sexualidade num evento mais festivo e populoso que o trivial. Seria difícil? Ora, nada que dez minutos de pesquisa na internet não possam resolver. E o melhor é que é possível dispensar todo o frufru satânico e ir direto ao que interessa. Nada de rituais estranhos — de atravessar um bosque pelado durante o inverno, por exemplo —, nada de cruzes de ponta-cabeça, de adorações a líderes supremos que fariam você duvidar do seu juízo e da sanidade mental dos outros participantes da agremiação. Eis o sexo puro e desmistificado na medida de todo o possível, desvestido do cenário de transgressão e heresia que caracterizavam as seitas do passado. Valeria a pena? Cada qual que responda por si, mas é certo que a facilidade do empreendimento deixaria as coisas tão claras que o mínimo traço de decepção poderia ser fatal para a aventura. Em palavras mais diretas, a falta do mistério tornaria tudo mais corriqueiro e sem graça. E isso explica, pelo menos em parte, a existência de um grupo como o DOS, liderado pelo guru Keith Raniere e pela atriz Allison Mack, instalado no seio da NXIVM (Nexium), uma empresa que vendia cursos de empoderamento a peso de ouro. As perversidades da dupla deixaram Aleister Crowley no chinelo, ele que se autointitulava a besta do apocalipse.
Antes da lavagem cerebral e da escravização de mulheres que se submetiam à seita ao entregar nudes, contas bancárias e toda a sorte de segredos pessoais, havia um longo blábláblá exotérico revestido de “verdade” e esclarecimento. O que Raniere e Mack sabiam melhor do que ninguém é o seguinte: só quem tem certeza absoluta de que é dono do próprio nariz é que cai nesse tipo de armadilha. O truque, portanto, foi recriar na NXIVM a mesma aura satanista do século XIX, mas sem a incômoda figura de Satan, reservando esse papel ao chefão da seita, que se arrogava o direito de marcar as reses (coisas) conquistadas com as suas iniciais. De outra forma, não é possível entender como jovens oriundas de classes abastadas — ainda mais nos Estados Unidos, o berço do feminismo radical — tenham se submetido a castigos físicos e dietas extremas para agradar o mestre. O sexo entrava na história como um privilégio quase inatingível, como a realização máxima de uma serva, a abertura de um portal que revelava o êxtase de uma vida plena e iluminada. Ou seja, o velho e cansativo frufru místico em torno do intercurso reprodutivo, um dos atos mais naturais e inevitáveis da biologia humana. É claro que se trata de um caso extremo, mas por ele se pode perceber que, definitivamente, o ser humano é fraco demais para suportar o peso da liberdade.
Não vou dizer que o mundo está perdido, sempre esteve, mas a verdade é que o diabo não era tão mau quanto o pintaram antigamente.