Três hipóteses sobre as manifestações de 15 de março (por Juan Arias)
As guerras e tragédias da humanidade e dos povos começaram muitas vezes com a centelha de um erro de cálculo
As manifestações de protesto de 15 de março no Brasil a favor do presidente Jair Bolsonaro e contra o Congresso e o STF apresentam três hipóteses igualmente alarmantes. E já não são poucas as pessoas preocupadas com a simples convocação. A ideia do protesto já começou mal. Foi lançada pelo General Augusto Heleno, o importante ministro do Gabinete de Segurança Institucional localizado no Planalto. Foi ele quem pediu a Bolsonaro para convocar os brasileiros a sair às ruas contra o Congresso usando inclusive o palavrão de mau gosto “fodam-se .
O presidente, em vez de refrear a ideia insensata do general, compartilhou com seus amigos a ideia da convocação em sua defesa e contra as instituições do Estado. A reação das instituições foi imediata e dura. O decano do STF, Celso de Mello, uma das figuras de maior prestígio da corte, chegou a dizer que, se a notícia fosse confirmada, tornaria o presidente “indigno do cargo que ocupa”. E soaram em seguida do outro lado as campanas do impeachment…
Em resposta à iniciativa do general e dos mais aguerridos seguidores de Bolsonaro, o PT também convocou para o dia 18, três dias depois, uma manifestação de protesto contra o Governo Bolsonaro, enquanto no dia 8 acontecerá a já clássica manifestação pelo Dia Internacional da Mulher, que no Brasil este ano será um claro protesto contra os abusos do Governo cometidos contra os direitos e contra a dignidade das mulheres.
Três hipóteses sobre o possível resultado dessas convocações à população são igualmente alarmantes e perigosas. Se a manifestação a favor do Governo e contra as outras instituições for menor que a da oposição do PT e se a manifestação de 8 de março das mulheres no Dia Internacional da Mulher for um sucesso, é bem possível que Bolsonaro e os seus se tornem mais agressivos contra a esquerda e contra Lula. O país continuaria mais dividido e crispado do que já está. É a única coisa de que o Brasil não precisa neste momento, com sua economia atolada e com os militares que começam a aparecer divididos frente ao Governo.
E se ambas as manifestações, as dos dias 15 e 18 fracassarem, uma vez que a das mulheres certamente será importante, se forem um fracasso de público; se na realidade todo o barulho que está sendo feito for mais obra dos robôs em ação nas redes do que de pessoas de carne e osso? Se apenas uma minoria sair à rua apoiando o golpe contra as instituições? Se o PT não conseguir encher as ruas e praças como no passado? Seria outra hipótese igualmente alarmante. Bolsonaro se sentiria mais motivado a endurecer suas posições autoritárias e não sabemos qual seria a reação dos generais que atuam no Governo. Uma fera ferida pode ser mais perigosa do que saudável.
Resta a terceira hipótese, a de um triunfo da manifestação a favor do Governo Bolsonaro, que ocorreria se conseguisse levar para a rua os dois milhões que saíram para pedir o impeachment de Dilma e o “fora Lula”. Esta é a hipótese mais alarmante, porque daria a Bolsonaro e seu Governo, e até aos militares, carta branca para tentar impor pela força um regime autoritário que sangre as outras instituições.
Dado que essa convocação do Governo, neste momento, seria no mínimo imprudente e ninguém sabe quais poderiam ser suas consequências para o futuro do país, o melhor seria que ambas as partes renunciassem a esse duelo nas ruas e trabalhassem democraticamente para devolver ao país a paz que está perdendo em vez de se arriscarem a uma guerra cujas consequências são fáceis de adivinhar. E mais uma vez, a última carta estaria nas mãos dos militares, especialmente daqueles que atuam hoje no Governo. Só eles poderiam ainda convencer Bolsonaro a parar a manifestação com sinais de vingança contra o Congresso. É inédito que um Governo com pouco mais de um ano no poder organize uma manifestação a seu favor. No mínimo, revela fragilidade e falta de confiança em seu trabalho.
Em um momento em que a sociedade continua dividida e crispada, desafios desse tipo com convocação para sair às ruas contra as instituições do Estado acabariam convencendo as forças democráticas, na expressão do decano do STF, de que o presidente Bolsonaro “se tornou indigno” de exercer a alta chefia do Estado. E os militares, se querem ser fiéis à sua lealdade ao Estado e à democracia, deveriam ser os primeiros a convencer Bolsonaro e os seus a recuar de uma iniciativa que, de qualquer lado que se olhe, só pode levar a uma nova crise, e desta vez gravemente ofensiva à essência da democracia, como é o respeito à divisão de poderes.
As guerras e tragédias da humanidade e dos povos começaram muitas vezes com um único tiro e com a centelha de um erro de cálculo. Quando perceberam, as guerras já estavam em andamento e eram imparáveis.
Queremos isso hoje para o Brasil em um clima mundial de crescimento de retorno aos tempos das piores ditaduras, as que produziram no mundo, em um passado ainda recente, tanta dor, morte e fome para milhões de pessoas?
De qualquer forma, neste momento de endurecimento mundial das direitas mais autoritárias e belicosas, o Brasil deveria ser no mundo um elemento de reflexão e de colaboração com os povos que se debatem para que a democracia conquistada com tantos sacrifícios, e que ofereceu riqueza e paz ao mundo, não morra por causa da loucura de um punhado de governantes que se tornaram indignos da responsabilidade que lhes foi outorgada pelas urnas.
(Transcrito do jornal El País)