Para quem passou da meia idade, a sucessão de trapalhadas faz lembrar Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Além de expor fragilidade política ao não conseguir evitar a instalação da CPI da Covid no Senado, Jair Bolsonaro e seus articuladores parecem ter entrado numa espiral de desespero que os leva a cometer, a cada hora, uma gafe ou erro político maior do que o outro. Estão no modo Trapalhões, com performances inimagináveis.
A semana começou com o vazamento de uma lista com acusações e críticas às ações do governo na pandemia elaborada pelo próprio governo. A CPI agradeceu. Entre chocada e divertida, a plateia assistiu também a trechos de uma reunião do Conselho de Saúde Suplementar em que os ministros Paulo Guedes e Luiz Eduardo Ramos resolveram abrir seus corações, sem saber que estavam sendo gravados. A confissão de Ramos – “eu quero viver, pô” – de que tomou a vacina contra a Covid escondido entra para os anais da poderosa Casa Civil. Não se tem notícia de nada semelhante entre seus antecessores – que certamente fizeram coisas escondidas, mas não as confessaram de forma tão cândida e desabrida. Paulo Guedes também foi acometido por um ataque de sincericídio e criou mal-estar diplomático ao dar nacionalidade chinesa ao coronavírus e falar mal da Coronavac, vacina que recebeu.
Ninguém escapa de uma gravação ou de uma câmera oculta – e se as trapalhadas ficassem no terreno dos vazamentos indiscretos ainda seria possível dar um desconto. Mas as investidas fracassadas dos governistas para impedir a criação da CPI da Covid e, depois, a nomeação de Renan Calheiros como relator constituem-se num show de incompetência à parte.
Tivesse o presidente a base no Senado que pensava ter, não haveria comissão de inquérito nenhuma nesse momento. Só que, depois desse tremendo erro de cálculo, e de engolir derrota atrás de derrota na questão da CPI, o presidente da República parece não ter aprendido nada. Está fazendo o contrário do que se aconselha nessas horas de alto risco político: falando grosso, comprando novas brigas e, ao fim e ao cabo, mostrando desespero. Mandou o filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), à instalação da comissão para atacar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a quem acusou de “ingratidão e falta de consideração”.
Eleito para o cargo na condição de candidato do governo, Pacheco até poucos dias estava na copa e na cozinha do Planalto, participando de audiências, conversas, reuniões. Rendeu-se à CPI por ordem do STF, que determinou sua instalação, mas é um aliado importante para que o presidente da República saia inteiro desse inquérito parlamentar. Hostilizá-lo nesse momento é uma das piores ideias que a família Bolsonaro poderia ter, tão ruim como foi tentar derrubar Renan Calheiros da relatoria – e continua sendo.
A turma-do-deixa-disso entrou em campo e os presidentes da República e do Senado acabaram conversando nesta quarta. Mas os escudeiros de Bolsonaro, os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO), fizeram outra bobagem, que fez o pessoal das antigas na CPI se lembrar dos Três Patetas: entraram com mais uma ação no STF contra Renan, mesmo sabendo que tem poucas chances de ser acolhida. Em vez de tentar pacificar e conversar, acirraram os ânimos.
A CPI da Covid nem começou a trabalhar ainda, mas já é um pote até aqui de mágoa. Nesta quarta, foi desafiada a investigar governadores por Bolsonaro, que ainda disse que seus integrantes estariam querendo fazer “carnaval fora de época”. Cada ato de insensatez do Planalto vai agregando apoio às forças antibolsonaristas, que começaram esse filme em minoria, mas agora podem transformar a CPI num roteiro policial de verdade.
Helena Chagas é jornalista