O poder no Brasil bebe em novas fontes. Expliquemos. Espraia-se pelo país um fenômeno que terá impacto sobre nossa modelagem democrática. Uma sociedade mais plural, a partir da organização de suas entidades de representação, com maior distribuição de poder. As pedrinhas do dominó vão se tocando. A democratização da sociedade civil adensa e amplifica a democracia. A prova mais eloquente se verifica na formidável malha de centros de poder em todos os âmbitos (associações, movimentos, grupamentos etc).
Isso enfraquece o poder da instituição parlamentar? De certo modo, sim, pois o sistema político padece de monumental crise de imagem. A formação desses novos centros no meio e nas margens da sociedade é motivada também pela falta de respostas adequadas por parte do ente parlamentar. Os mais de 30 partidos políticos constituem uma massa amalgamada, incolor e sem ideologia, na esteira da debacle do socialismo clássico, da globalização e da quebra de fronteiras físicas, psicológicas e ideológicas entre países.
As doutrinas se fundem, enquanto o desempenho menos convicto dos participantes do universo partidário impregna os ambientes. As lutas políticas e sociais do passado perderam sentido. Direita e esquerda cruzam seus ideários, enquanto o liberalismo e o socialismo procuram novos conceitos. O primeiro demonstrou saber produzir riquezas, mas não sabe distribuí-las; o segundo demonstrou saber distribuir riquezas, mas não sabe produzi-las. Aí surgem os “caçadores” da ideologia dos novos tempos.
Oposições partidárias buscam antes a tomada do poder, depois a ideologia. Que partido político tem hoje um projeto de poder? O socialismo clássico do PT? Já era. O que pregam os partidos de centro, a partir do PSDB? O social liberalismo? Quais seus limites? Por isso, o oposicionismo se dá menos em função de uma visão ideológica do mundo e mais em razão de projetos de poder, centrados no pragmatismo e inspirados nas vontades e expectativas dos novos polos de pressão da sociedade.
A ação política para a conquista do poder leva em consideração a micropolítica dos grupos de interesse, das regiões, das comunidades locais, tornando o processo político no Brasil mais distritalizado, espacial. Veja-se a guerra fiscal entre Estados. A democracia participativa ganha alento com as manifestações e decisões dos cidadãos em suas entidades.
Os conjuntos organizados da sociedade recebem grande espaço da mídia, que descobre na investigação e na cobertura de eventos de impacto uma forma de adensar a taxa cívica da Nação. Até parece que a sociedade entoa o canto de Zaratustra (Nietsche) para expressar o estado de espírito da força emergente: “novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga; como todos os criadores, cansei-me das velhas línguas. Não quer mais, o meu espírito, caminhar com solas gastas”.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político e de comunicaçãoTwitter @gaudtorquato