por Editorial de O Globo (16/1/2021)
O pior aspecto da tragédia causada pelo novo coronavírus em Manaus é que ela era não apenas previsível, mas foi prevista. Desde novembro, os números de infectados e mortos por Covid-19 vêm subindo em todas as regiões, em especial no Norte do país. Os sinais de que o colapso se aproximava eram evidentes. Pacientes chegavam a todo momento a hospitais despreparados para o aumento da demanda. Alguém se preocupou com isso? Não. Todos os níveis de governo ignoraram os alertas emitidos por epidemiologistas, infectologistas e outros cientistas para o risco das aglomerações das festas de fim de ano.
O resultado não poderia ser outro que não o caos. A capital do Amazonas é hoje um microcosmo do Brasil, onde incúria, negligência, amadorismo e improviso se juntam para provocar um morticínio. Em vez de impor restrições mais duras no período de festas, o governo do estado relaxou a prevenção, aderindo à visão negacionista do bolsonarismo, que encheu as redes sociais de incentivos irresponsáveis à aglomeração. Tardiamente, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), decretou o fechamento dos serviços não essenciais, entre 26 de dezembro e 6 de janeiro. Depois de protestos da população, ele próprio permitiu a reabertura, transformando uma decisão técnica em política. Foi preciso que a Justiça, a pedido do Ministério Público, determinasse o fechamento.
Em paralelo, uma nova variante do vírus com maior facilidade de contágio se espalhou a partir do Amazonas e preocupa o mundo todo. Aqui, é ignorada pelas autoridades que deveriam proteger a saúde da população. O alerta sobre a mutação partiu do Japão, onde, em 10 de janeiro, a variante foi detectada em recém-chegados da Amazônia.
Como de praxe, a resposta do governo federal foi tíbia — e tardia. Somente no dia 11, quando o caos já estava instalado (o estado não dispõe nem sequer de oxigênio), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, desembarcou em Manaus para apresentar um plano de contingência. Atribuiu o agravamento da pandemia a toda sorte de espantalho: a infraestrutura hospitalar precária, as chuvas e uma estapafúrdia falta de “tratamento precoce”. Ora, que significa tratamento precoce, se isso inexiste? Faltava oxigênio, e uma representante do ministério queria obrigar médicos manauaras a receitar cloroquina, droga sem eficácia nenhuma.
Não há mistério nas medidas de prevenção: máscaras, distanciamento social, higiene das mãos, cancelamento de grandes eventos. Mas, aparentemente, a população, incentivada pelo presidente e políticos negacionistas, prefere acreditar que é tudo fantasia. Ou crê no terraplanismo da turma de Bolsonaro e Pazuello.
A tragédia que se abateu sobre Manaus no ano passado, quando as mortes mais que dobraram em virtude do vírus, deveria ter servido de alerta. Infelizmente, cometem-se os mesmos erros. Despreza-se a Ciência. Espera-se a situação se agravar ao máximo para agir. Quantos mais precisarão morrer ou ficar sem oxigênio para que as autoridades e o país aprendam?