A virada do ano evoca muita coisa. Traz à minha memória um livro que exerceu forte influência no rumo da minha vida: “Caminho” (Editora Quadrante, São Paulo). Seu autor, São Josemaria Escrivá, cuja festa a Igreja celebra no dia 26 de junho, foi um apaixonado mestre da busca da santidade no trabalho profissional e nas atividades cotidianas. É o santo dos nossos dias. Prático e realista. Pois bem, no ponto nº 301 de Caminho, um best-seller da literatura espiritual, encontrei, há bastantes anos, uma chave importante para a interpretação da vida e da História: “Um segredo. – Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos. Deus quer um punhado de homens ‘seus’ em cada atividade humana. Depois…’pax Christi in regno Christi’ –a paz de Cristo no reino de Cristo.”
O pensamento de São Josemaria Escrivá, apoiado numa visão transcendente da vida, consegue, de fato, captar plenamente a contextura humana e ética dos acontecimentos. Ele tem, no fundo, a terceira dimensão: a religiosa e moral, e só com essa lente é possível entender a sociedade em que vivemos. O mundo está sedento de liberdade, mas nostálgico de certezas.
Certezas que entusiasmam multidões, mas provocam descargas de bílis nos que vivem de mal com a vida. Recordo-me de um episódio exemplar. Há anos, o falecido Christopher Hitchens, então editor do Canal 4 da televisão britânica, num programa sensacionalista e de ranço panfletário, investiu contra Madre Teresa de Calcutá. O perfil da religiosa, provavelmente escrito num pub londrino, entre um scotch e outro, era uma impressionante combinação de ódio represado, marketing de escândalo e temor agressivo.
Outro jornalista, o francês Dominique Lapierre, em “Muito Além do Amor”, uma grande reportagem sobre o drama da aids, mostrou a verdadeira face da santa albanesa. De passagem por Nova York, leu uma notícia de impacto: “Madre Teresa de Calcutá inaugura, em pleno coração de Manhattan, um lar para acolher as vítimas da aids.” Seu feeling de repórter sugeria uma grande pauta. E seu profissionalismo impunha o elementar dever de garimpar o terreno.
Testemunhou, impressionado, a heróica generosidade das missionárias de Madre Teresa. As mesmas religiosas que ele vira trabalhando nos leprosários de Calcutá estavam agora no coração da América. Seus hóspedes, órfãos de uma sociedade opulenta, eram ex-presidiários da penitenciária de Sing Sing, toxicômanos do Harlem, frequentadores de bares e saunas gay. Todos, sem exceção, eram tratados como seres humanos. Lá, diria Lapierre, a solidariedade entra pelos olhos.
A santidade assusta e incomoda. São Josemaria Escrivá acertou no cravo: “Estas crises mundiais são crises de santos.”
A todos, um feliz 2019!
Jornalista. E-mail: difranco@ise.org.br