Editorial de O GLOBO (9/1/2021)
A sociedade e as instituições republicanas brasileiras precisam se preparar. Numa referência aos eventos desta semana nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro insinuou que aqui ocorrerá o mesmo, caso perca a eleição em 2022: “Se não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, vamos ter problema pior que os Estados Unidos”.
Veladamente, a declaração deixa claro que ele está disposto a, mais uma vez, imitar seu mentor americano e incitar atos violentos e antidemocráticos. Por sinal, nem é preciso que perca. Desde muito antes da invasão do Capitólio pelas hostes trumpistas, Bolsonaro semeia dúvidas sobre as urnas eletrônicas e, sem apresentar prova, já denunciou fraudes eleitorais no Brasil até em 2018, quando ele próprio venceu.
O Brasil tem um sistema eleitoral mais confiável, eficaz e seguro que o americano. Todos os testes e auditorias externas comprovam isso. É indigente o argumento de que é preciso ter um rastro físico de cada voto, já que as seções eleitorais imprimem uma lista que fica à disposição dos fiscais partidários. Na prática, o rastro físico já existe. Tanto que a imposição do voto impresso por um projeto de Bolsonaro foi vetada pela presidente Dilma e declarada inconstitucional pelo Supremo.
Bolsonaro retomou o mote das fraudes eleitorais ao reverberar as denúncias infundadas feitas por Trump, todas derrubadas pela Justiça e pela recontagem de votos em vários estados. Claro que não é a lisura das eleições que está em jogo nas tentativas contemporâneas de autogolpe. A intenção é manter as bases radicais mobilizadas à espera de ordens como a que deu Trump para a invasão do Capitólio.
O projeto de desencadear uma crise institucional vem sendo esboçado há muito tempo, por atos e declarações descabidas do presidente e de seu clã. Trump incentivou um movimento de sedição e, ante a possibilidade de ser afastado antes da posse de Joe Biden, viu-se obrigado a recuar. A resposta política e institucional americana serve de exemplo. Como nossas instituições não têm a mesma resiliência, é preciso que o país se resguarde para evitar o “pior” a que Bolsonaro se referiu.
Houve acertada repulsa às palavras de Bolsonaro entre ministros do Supremo. “Uma importante lição da história é que governantes democráticos desejam ordem”, disse Luís Roberto Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Por isso mesmo não devem fazer acenos para desordens futuras, violência e agressão às instituições.” O ministro Edson Fachin foi ainda mais incisivo ao afirmar que “a violência cometida contra o Congresso americano deve colocar em alerta a democracia brasileira”.
É necessário desde já fortalecer a Constituição para evitar o retrocesso da democracia no país. A Carta já nos garantiu 33 anos consecutivos de democracia, recorde na República. Não se imagina que as Forças Armadas como instituição aceitem rasgá-la e retroceder a um passado longínquo. Ao contrário. Todas as armas que a Carta prevê na defesa do estado democrático de direito devem ser acionadas.