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A crise do presidencialismo (por André Gustavo Stumpf)

O Brasil mergulha na direção de níveis africanos. Isso não é derrotismo. É realismo

Por André Gustavo Stumpf
11 fev 2021, 12h00
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  • Desde a sessão de promulgação da Assembleia Constituinte, marcada por brincadeiras, despedidas emocionadas e pelo impressionante discurso de Ulysses Guimarães, até o dia de hoje se passaram 33 anos. Neste período, a democracia brasileira, jovem e frágil, assistiu de tudo.

    Dois impeachments, escândalos de bom tamanho na área da corrupção, prisões de gente importante, desmandos e conflitos entre políticos e partidos. Consequência do sistema partidário caótico, com mais de trinta siglas, dentro de um regime de governo indefinido, com seu corpo parlamentarista e prática presidencialista. Não é nenhuma coisa, nem outra.

    A resposta tem sido a crise. Houve inflação elevadíssima na casa de cem por cento ao mês. Surgiram vários planos econômicos, antes de a economia encontrar sua estabilidade. A frequente intromissão do Judiciário na área do Legislativo que se esquiva de tomar decisões profundas. Vive na superfície dos problemas.

    As reformas essenciais, seja a tributária ou a administrativa, não caminham. Enfim existe a percepção, interna e externa, de que o estado precisa diminuir seu tamanho e aumentar sua eficiência. Mas nada se faz para corrigir essa anomalia. O resultado é a instabilidade.

    Pior do que a instabilidade, é o fim das esperanças. O jovem no Brasil encontra enormes dificuldades para encontrar emprego no nível de suas capacidades. Melhor se arriscar no exterior. O Brasil está perdendo seus melhores cérebros.

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    Quem pode, pega o primeiro avião e caminha para o mundo desenvolvido. Encontrei em Harvard, há mais de ano, um surpreendente contingente de estudantes brasileiros. O Brasil mergulha na direção de níveis africanos. Isso não é derrotismo. É realismo.

    A Argentina frequentou o clube dos países mais ricos do mundo, com povo alfabetizado, boa oferta de grãos, petróleo e carne de primeira linha. No início do século vinte, a economia do vizinho chegou perto de ser o dobro do Brasil. Hoje, o produto interno bruto deles está próximo de um terço do brasileiro.

    O vizinho regrediu. Deixou o mundo desenvolvido e passou a figurar entre os emergentes. Os hermanos continuam a viver o inferno econômico sul-americano. Juros elevados, inflação alta, reservas internacionais escassas e desemprego feroz. Moeda sem valor. O mercado é indexado ao dólar.

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    No Brasil a crise é anunciada. O regime presidencialista é um desastre. Só deu certo nos Estados Unidos, porque lá funciona uma confederação de verdade. Houve a guerra da secessão no século 19 quando os estados do sul tentaram deixar a confederação. O presidente Lincoln salvou a União, libertou os escravos e por causa disto foi assassinado.

    Na eleição seguinte, através de um acerto entre partidos, tudo retornou à situação anterior. Os negros perderam seus direitos. O sistema eleitoral, indireto, prevaleceu. Ou seja, fizeram questão de reafirmar sua própria autonomia. É a confederação.

    Os exemplos recentes daqui são eloquentes. O governo de Dilma Rousseff vinha fazendo água a olhos vistos. Ela perdeu a capacidade de se articular com o Congresso e inventou uma política econômica anticíclica desastrosa. Surgiu o impeachment. O processo foi duro, difícil, provocou crises, queda da bolsa de valores, disparada do dólar, xingamentos de parte a parte e grandes traições. Um desastre.

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    Nos dias que correm, de novo, a ameaça de remover o presidente de sua cadeira aparece no horizonte. A resposta do governo é distribuir cargos e benesses para comprar alianças e se manter no poder. Não há projeto, a não ser permanecer dentro do Palácio do Planalto, mesmo que seja sangrando em praça pública pelos próximos dois anos.

    Os partidos políticos se amoldam aos problemas. O Brasil bordeja o abismo. Se o regime fosse parlamentarista a crise seria menor. O parlamento aprovaria o voto de desconfiança, um novo primeiro-ministro assumiria o cargo e a vida continuaria. É assim no mundo todo. A Itália fica meses sem governo. O mesmo acontece na Bélgica ou em Israel. Nestes países exercício da política é distante do comando da administração.

    O governo se defende praticando o conhecido toma lá, dá cá. Podem surgir novos ministérios. Farta distribuição de benesses, verbas e empregos. O impeachment pode ou não acontecer, mas a crise está anunciada. Os brasileiros não perdem a oportunidade de perder mais tempo, de se afastar do mundo desenvolvido, de regredir nos níveis de escolaridade e padecer do pesado desemprego.

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    Os jovens preparam seus passaportes. Especuladores esfregam as mãos. Já apostam na elevação de juros, no retorno do capital especulativo que produz lucros extravagantes sobre populações empobrecidas. Este foi o pano de fundo na eleição dos presidentes do Senado e da Câmara.

    André Gustavo Stumpf escreve no Capital Político. Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou Jornalismo por uma década. Foi repórter e chefe da sucursal de Brasília da Veja, nos anos setenta. Participou do grupo que criou a Isto É, da qual foi chefe da sucursal de Brasília. Trabalhou nos dois jornais de Brasília, foi diretor da TV Brasília e diretor de Jornalismo do Diário de Pernambuco, no Recife. Durante a Constituinte de 88, foi coordenador de política do Jornal do Brasil. Em 1984, em Washington, Estados Unidos, obteve o título de Master em Políticas Públicas (Master of International Public Policy) com especialização política na América Latina, da School of Advanced International Studies (SAIS). Atualmente escreve no Correio Braziliense. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

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