Nos últimos quatro anos, a Selic passou por um ciclo de flutuações marcantes. Em 2020, foi reduzida a 2% ao ano, o menor patamar da história, em resposta à crise econômica provocada pela pandemia de covid-19. A partir de 2021, com o aumento da inflação, o jogo mudou, e a taxa básica de juros entrou num longo ciclo de aumento, que culminou em uma taxa de 13,75% ao ano em agosto de 2023. Caiu paulatinamente. Mas na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central fez um novo movimento: voltou a elevar a Selic em 0,25 ponto porcentual, para 10,75% ao ano, e o comunicado divulgado após a reunião do colegiado reforçou a avaliação no mercado de que não vai parar por aí. Alguns economistas já falam em um patamar entre 11,75% e 12% no fim do ano ou início de 2025.
A decisão do Copom foi unânime, o que significa que Gabriel Galípolo – indicado por Lula para ser o novo presidente do BC, a partir de janeiro de 2025 – acompanhou o voto do atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto – visto e descrito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva como “inimigo” do País e como alguém que “tem lado político”. Campos Neto foi indicado para o cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O mercado financeiro, então, respirou aliviado? Ninguém se importa mais com a troca de comando no BC? Não é bem assim.
A nomeação de Galípolo, atual diretor de Política Monetária do BC, para o lugar de Campos Neto é um movimento significativo dentro do contexto econômico, marcado por nuvens escuras no que diz respeito ao controle da inflação. O País continua exibindo vigor econômico, o que é ótimo, mas os dados também mostram que esse crescimento tem sido superior ao chamado “PIB potencial” – ou seja, quanto o País pode crescer sem gerar inflação. A seca prolongada já começou a mostrar seus efeitos, com mudança na bandeira tarifária da energia elétrica (leia-se, conta de luz mais cara) e risco de quebra de importantes safras agrícolas. Finalmente, e não menos importante, nem Executivo nem Legislativo nem Judiciário parecem muito preocupados com o controle de gastos. Cada um, a seu modo, continua avançando sobre os cofres públicos como se a fonte de recursos fosse infinita. São expansionistas de fato.
Com tantas pressões e sem a ajuda dos Poderes, o BC tem sido o único a atuar de forma objetiva contra os efeitos de mais e mais gastos (lembra do “gasto é vida”, da ex-presidente Dilma Rousseff, e agora repetido por Lula?). Um banqueiro comentou à coluna que a nomeação de Galípolo representa uma perda do “olhar opositor” ao governo Lula no Banco Central, uma perspectiva considerada vital para o sistema de pesos e contrapesos. E aqui o termo “opositor” não significa o “sou do contra, e ponto final”: é o risco de que Lula passe a ter influência para moldar a definição da taxa de juros de acordo com seus interesses políticos.
Pode ser que Lula não consiga mudar nada, e que o BC mantenha a posição de independência ao Executivo. Mas uma porta se abriu; os temores fora do governo estão longe de terminar. Nesse sentido, a expectativa é de que a gestão de Galípolo seja acompanhada como se fosse uma minissérie da Netflix, cheia de reviravoltas, bandidos e mocinhos.
A importância da oposição em uma democracia é frequentemente ressaltada por pensadores como Montesquieu, que defende que, “para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder impeça o poder”. Essa reflexão se torna ainda mais pertinente no contexto atual brasileiro, onde a independência e a crítica construtiva são essenciais para a saúde econômica do País. A gestão do Galípolo será observada não apenas por suas decisões econômicas, mas também pelo impacto que terá na dinâmica política. A primeira temporada já começou.