Banco Central: falar menos e ouvir mais
Campos Neto ignora seu poder de influência no mercado financeiro ao participar de eventos em horário comercial e falar o que pensa sobre o andar da economia
Desancorar. Segundo o Aurélio, quer dizer “levantar a âncora de”: “desancorar um barco”, no exemplo clássico. Pelo léxico do mercado financeiro, o termo pode ganhar outras conotações e agregados, como em “expectativas desancoradas”, expressão que nas últimas semanas tem aparecido com frequência nas apresentações públicas do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e nas publicações oficiais da autarquia.
O termo tem indicado, a grosso modo, que as projeções de bancos e consultorias para determinado indicador estão distantes das metas perseguidas pelo BC. No caso particular, das metas para a inflação. E como surgiria essa “desancoragem”? Da análise de fatos objetivos, como a manutenção de juros elevados nos EUA, com impacto no valor do dólar ao redor do mundo. Também de ações do governo federal que podem indicar aumento de gastos e maior desequilíbrio da dívida pública – e essas não têm faltado. Mas não seria injusto dizer que o próprio Campos Neto tem parte de responsabilidade nessa questão.
Na avaliação reservada de economistas que já passaram pela presidência do BC, foi uma declaração dada por Campos Neto em evento em meados de abril, em Nova York, com o mercado financeiro ainda aberto e na presença de investidores estrangeiros, que ajudou a “inflacionar” a repercussão da cisão entre os diretores do BC na reunião de maio do Copom – aquela em que os quatro diretores indicados pelo atual governo defenderam a manutenção de um corte de 0,5 ponto porcentual da Selic. O grupo argumentou que o BC deveria ter mantido o famoso “forward guidance”, ou “sinalização”.
Pois, foi justamente naquela reunião de abril que Campos Neto indicou uma mudança de tom do BC, interpretada pelos presentes como um abandono do “guidance”. Não foi o único evento recente com a participação de Campos Neto, nem de outros diretores da autarquia que têm aparecido com insistência em listas de palestrantes .
Não se discute aqui o mérito se a Selic deveria ter sido cortada em 0,5 ponto, e não em 0,25 na última reunião, ser mais ou menos “hawkish” – rótulo para quem defende um controle mais rigoroso da inflação por meio da alta dos juros. O que começa a incomodar a parte do próprio mercado é que, neste momento de incertezas geradas por ações e falas do governo Lula, o BC pode estar ajudando a embaralhar ainda mais as projeções futuras.
“O ideal seria falar com mercados fechados”, diz um ex-presidente do BC. Nos EUA, onde o Federal Reserve (Fed) tem várias “filiais” regionais, a enorme diferença de fuso horário torna a tarefa mais difícil, mas um outro ex-presidente do Banco Central destaca que existiria uma preocupação maior com o peso de cada declaração.
Periodicamente, diretores do BC brasileiro se reúnem com representantes de bancos para “tomar a temperatura e pressão” do mercado financeiro. Quem participa desse tipo de encontro, sabe que existe uma regra tácita: os diretores do BC querem ouvir mais e falar menos. Talvez seja hora de o seu principal dirigente do BC adotar essa máxima também em público no País.