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O fenômeno da inflação política

O governo parece que não entendeu a natureza do regime

Por Murillo de Aragão Atualizado em 4 jun 2024, 10h51 - Publicado em 23 abr 2023, 08h00
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  • Tal qual na economia, o fenômeno da inflação também ocorre na política. Na economia, a inflação é o aumento contínuo e generalizado dos preços de bens e serviços ao longo do tempo. Na política, ela se apresenta com o aumento contínuo do preço do apoio às políticas do governo no Congresso Nacional.

    Quanto maior a inflação política, mais caro é o apoio no Congresso. Posto que faço uma analogia entre um fenômeno econômico e o político, quando se verifica esse aumento do custo político do governo? Basicamente, quando o conjunto das atitudes e propostas causam polêmicas e desagradam a setores relevantes da economia e da sociedade. O governo Lula e seus aliados, desde o seu início, têm provocado um fenômeno inflacionário na política ao empilhar polêmicas e, ao mesmo tempo, não aproveitar o que foi feito de positivo, por conta de uma confusa estratégia de comunicação. A lista de polêmicas é imensa: ataques à autonomia do Banco Central e ao mercado; decisões intempestivas como a do crédito consignado; ameaças e invasões de terra pelo MST; “fogo-amigo” atingindo a equipe econômica; desorganização de narrativas na equipe ministerial; disputa de poder entre ministros; e, no campo internacional, a estranha ambiguidade em relação à invasão da Ucrânia.

    “É crescente a dependência em relação aos formadores de maiorias no Congresso”

    A atitude do governo de empilhar polêmicas indica duas situações contraditórias. Uma é a de que existe confiança na capacidade do governo em avançar com a sua agenda, a despeito das polêmicas. A outra é a de que existe uma brutal incompreensão da dinâmica política. Fico com a segunda opção. Mesmo sem querer, o governo termina por provocar a inflação política e terá de pagar caro para avançar com a sua agenda. O pagar caro não significa apenas expandir medidas clientelísticas ou promover a abertura de espaços adicionais para aliados, mas, sobretudo, conciliar suas propostas com as forças que dominam o Congresso.

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    Por exemplo: como contar com o apoio da bancada ruralista se existe leniência com relação às ameaças do MST de invadir terras produtivas? Como contar com o apoio da bancada municipalista em temas complexos se não existe clareza sobre como ficará a repartição de receitas com o fim do imposto sobre serviços? Como contar com o apoio de setores reformistas do Congresso se existem narrativas e iniciativas antirreformistas, como no caso do voto de qualidade do Carf, do decreto de saneamento e da cobrança do imposto de exportação no petróleo? Os exemplos mencionados são uma parcela pequena de interesses que se sentem contrariados pelas iniciativas polêmicas.

    Como ainda não existe consistência nem harmonia nas ações políticas, é crescente a dependência do governo em relação aos formadores de maiorias no Congresso. Em consequência, temos a inflação política. Nada mais atual do que a declaração de que o governo Lula terá maioria para aprovar o que o Congresso quiser. Parece que o governo ainda não entendeu a natureza do regime político, onde a governabilidade é compartilhada com um Legislativo independente, um Judiciário ativista, um Banco Central autônomo e um federalismo crescentemente fortalecido. O remédio para reduzir a inflação política é fazer a leitura correta da atualidade política, reconhecer as competências e limites das instituições e promover a busca incessante pelo consenso.

    Publicado em VEJA de 26 de abril de 2023, edição nº 2838

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