As predições, de acordo com Georges Minois em seu magnífico História do Futuro — Dos Profetas à Prospectiva (Unesp, 2016), sempre correspondem a uma intenção, um desejo ou um temor. No entanto, ao fazer um cenário prospectivo, devemos lutar contra as nossas preferências. Sobretudo porque elas não são garantia de precisão. O futuro do Brasil em 2023 está em aberto. Existem sinais ruins e que foram abordados em coluna anterior. Mas também existem aspectos que podem fazer a balança pender para uma situação positiva.
Três aspectos vão decidir a qualidade do ano que se inicia. O primeiro deles é a capacidade de Lula administrar as contradições de um governo de amplo espectro ideológico. Desde já se verifica uma disputa interna pela predominância de agendas. O que faz o novo presidente jogar com as cartas altas e não dividindo muito as suas intenções. Lula sabe que o petismo raiz quer uma guinada à esquerda que ele não consegue entregar.
O segundo aspecto é que a recomposição do presidencialismo de coalizão não é garantia de que o novo governo terá maioria no Congresso para o que der e vier. A distribuição de cargos somente será efetiva se houver uma efetiva distribuição de poder. O que esbarra tanto nas disputas internas do PT quanto na representatividade no Legislativo na composição ministerial.
“O desafio é compatibilizar a eficiência econômica, a justiça social e a liberdade individual”
O terceiro aspecto é que o novo governo terá uma oposição consistente. Fato praticamente inédito nas últimas décadas. Existem forças políticas organizadas, com agendas próprias e que não se coadunam com as pautas originais do PT. O bolsonarismo deve sobreviver como força política. Podendo crescer caso o novo governo não tenha sucesso inicial visível. Além do mais, existem bancadas de interesses muito fortes e atuantes.
Mesmo se saindo bem nos três desafios mencionados, não há garantia de que o ano será um sucesso para o novo governo. Existem expectativas negativas no campo econômico que precisam ser revertidas. As confusões, os equívocos e os tropeços na largada já provocaram consequências: a deterioração das expectativas; a perda de valor das empresas; o aumento do custo do capital. Muitos setores já entraram em compasso de espera e as expectativas para investimento estão piorando.
Assim, as narrativas acerca da economia devem buscar ampliar os horizontes de investimento e redução de incertezas. O mercado deveria — como pensou Deng Xiaoping — ser tratado como uma alavanca de prosperidade e instrumento de governo. Até pelo fato de que o mercado é um sistema que busca o equilíbrio entre os desejos dos consumidores e os riscos de quem investe e produz. Sem o mercado, a economia não funciona. E a razão de termos desigualdade aguda no Brasil também está na ainda fragilidade do mercado.
Conforme disse Montaigne, a vida é “um movimento desigual, irregular e multiforme”. Assim tudo pode melhorar ou piorar de acordo com o comportamento do novo governo. Por isso o futuro do Brasil em 2023 está em aberto. Por fim, vejo que o caminho apontado por Keynes deveria ser levado ao pé da letra pela nova administração: o desafio político da humanidade é compatibilizar a eficiência econômica, a justiça social e a liberdade individual.
Publicado em VEJA de 4 de janeiro de 2023, edição nº 2822