Senhor futuro presidente, que não sei quem é. Afinal, ainda falta um ano para as eleições e, até lá, muita água vai passar por baixo da ponte eleitoral. Mas há uma coisa que o senhor, seja lá quem for, deveria saber. O superpresidente já não existe no Brasil, ainda que, no imaginário popular, seja ele quem manda.
No combate à pandemia, o atual presidente descobriu o federalismo e, com ele, a divisão de poderes entre estados e municípios. Na política de combustíveis, o poder federal é limitado, tanto pela governança da Petrobras quanto pela política tributária dos estados. Nada mais pode ser feito apenas por vontade do presidente. As soluções terão de ser construídas com os múltiplos interesses organizados.
Em 2023, senhor futuro presidente, a situação se acirrará e seu poder será ainda menor. Explico. Ao longo da década passada, o Judiciário aumentou o próprio poder, a ponto de não apenas validar todas as decisões relevantes do Congresso, como a reforma trabalhista, entre outras reformas. E mais: provocado por ações políticas, o Judiciário impediu a posse de ministros e de diretor da Polícia Federal, além de decretar o fim do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, entre outros casos. A judicialização da política continuará mais forte do que nunca.
O Congresso aprovou o caráter impositivo das emendas orçamentárias dos parlamentares. E, como alguns sabem, a barganha da liberação das emendas — que era usada pelo governo para obter apoio a suas agendas no Congresso — perdeu sua eficácia. Desde o ano passado o relator do Orçamento passou a controlar parte da verba discricionária que sobrava para o presidente da República. E não para por aí.
“O próximo mandato terá um ambiente institucional muito diverso daquele encontrado por FHC ou Lula”
As medidas provisórias ganharam limitações que não existiam quando foram criadas. Outro fator crítico foi a retomada das votações de vetos presidenciais. Desde então, o atual presidente virou o recordista de vetos derrubados pelos parlamentares. Para reduzir ainda mais o poder do presidente, o Congresso aprovou a autonomia do Banco Central, cuja diretoria passa a ter mandato de quatro anos e independência para tocar as políticas monetária e cambial.
Por fim, não haverá governabilidade sem maioria no Congresso, e essa maioria será composta de vários partidos. Provavelmente, a sigla ou coalizão que apoiar sua candidatura não terá maioria. Com a fragmentação partidária, surge o segundo homem mais importante do seu futuro governo: o presidente da Câmara, aquele que tem o botão amarelo do impeachment e que organiza maiorias. Sem o apoio dele, sua vida, futuro presidente, será muito difícil.
Assim, senhor presidente, seu mandato será iniciado em um ambiente institucional bastante diverso daquele encontrado, por exemplo, por Fernando Henrique Cardoso em 1995 ou Luiz Inácio Lula da Silva em 2003. Como vimos nos últimos anos, o governo do Brasil não é exercido somente pelo presidente. No limite, a palavra final será sempre do Congresso e do Judiciário.
Por prudência, as circunstâncias que aponto aqui deverão ser levadas em consideração já em sua campanha eleitoral. Para que nem o senhor nem os brasileiros se iludam com o quadro institucional do Brasil em 2023.
Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2021, edição nº 2762