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Murillo de Aragão

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As contradições do poder

Vivemos um presidencialismo com alma parlamentarista

Por Murillo de Aragão Atualizado em 4 jun 2024, 09h31 - Publicado em 11 fev 2024, 08h00
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  • A abertura do ano legislativo teve como destaque a mensagem dura do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). A mensagem externou a profunda insatisfação de líderes partidários e de parlamentares em geral com certas atitudes e narrativas do governo. Sobretudo com o que consideram falta de cumprimento de acordos firmados. Um tema que incomodou, em especial, foi o veto de quase 6 bilhões de reais no Orçamento às emendas de parlamentares sob o argumento de contenção de despesas. Justificou-se a medida sob a alegação de que o governo “perdeu” mais de 4 bilhões de reais com o fato de a inflação ter sido menor do que a prevista para 2023! Para desgastar ainda mais os parlamentares, espalhou-­se a narrativa de que o Congresso queria dinheiro demais e que o Brasil permitia excessos com as chamadas “emendas dos congressistas”.

    No entanto, a questão não é simples. O debate sobre o assunto costuma esbarrar no preconceito, na antipatia, e muitos que opinam não fazem um bom dever de casa. Mesmo sem o veto presidencial, as emendas parlamentares somariam, em 2024, menos do que os valores gastos em anos anteriores. Por exemplo, em 2021, a parte das verbas discricionárias relativas aos congressistas chegou a 27%. Vale destacar que todas as emendas dos parlamentares não ultrapassam 2% do orçamento total.

    Mesmo com esse excesso, e para fazer uma conta de padaria, o governo federal fica com 80% e o Congresso com 20% das verbas discricionárias. Ou seja, o Executivo tem, e com razão, quatro vezes mais verbas discricionárias à disposição de 36 ministros do que o Congresso, que fica com 20% para 594 parlamentares de todas as unidades da Federação.

    “O dinheiro das emendas era usado como barganha política. Na prática, o governo comprava maiorias”

    No passado recente, o dinheiro das emendas era usado como barganha política para construir maiorias, favorecendo uma centralização na mão do governo federal. Na prática, o governo comprava maiorias e silenciava a oposição com as emendas. Com o aspecto mandatório da execução das emendas dos parlamentares, o Congresso ganhou mais autonomia, independentemente de o parlamentar ser ou não de oposição ao governo.

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    Obviamente, a situação incomoda o governo, que queria tanto o dinheiro que perde para as emendas quanto a condição de usá-lo como instrumento de cooptação política.

    Assim, não vejo nenhum problema no fato, desde que as verbas das emendas parlamentares sejam utilizadas de forma adequada e submetidas aos organismos de controle de contas. No entanto, a narrativa corrente não esclarece que: a) o governo tem mais verbas discricionárias a seu dispor; b) o gasto de qualquer verba orçamentária deve ser submetido aos devidos controles; c) quase 90% do Orçamento da União é carimbado com gastos obrigatórios.

    Como já abordei recentemente, o Brasil vive o dilema entre o centralismo, que converge o poder para um governo central forte, e o federalismo, que distribui verbas e poderes entre estados e municípios. Vive também outro dilema: temos uma Constituição presidencialista com alma parlamentarista. Tais contradições afloram nos debates de hoje.

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    Contudo, o que não se debate é a redução das vinculações orçamentárias que engessam as políticas públicas e o necessário corte de despesas. Só se fala em obter verbas e mais verbas, que, no fim das contas, resultarão em aumento da carga tributária.

    Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2024, edição nº 2879

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