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A doença da alma

A história revela que não existe cura para o fanatismo

Por Murillo de Aragão Atualizado em 4 jun 2024, 12h18 - Publicado em 4 set 2022, 08h00
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  • A existência de comportamentos religiosos fanáticos, como disse o teólogo francês Adrien Candiard, é um sofrimento e uma interrogação. Já na política, o fanatismo é apenas um sofrimento, uma vez que as suas causas são entendidas, mesmo que injustificáveis. Ainda citando Candiard, o termo fanatismo parece um tanto obsoleto, visto que se utiliza de outros termos como radicalismo ou fundamentalismo. Mas, independentemente da atualidade do termo, o fanatismo está presente e é uma doença do espírito. Voltaire, em seu dicionário filosófico, o define como tal.

    Fanáticos degolaram aqueles que não iam às missas na Noite de São Bartolomeu, em 1572. Lideraram os cruéis processos da Inquisição iniciados em 1478. A evo­lu­ção da humanidade nos dois últimos séculos não nos privou do fanatismo que adentrou o século XX com o nazismo, o comunismo e seus milhões de mortes. Ainda no novo século, grupos terroristas trouxeram sofrimento e indignação.

    Os exemplos citados nos revelam tanto o fanatismo religioso quanto o fanatismo político. O pior é quando os dois se misturam para promover o caos, o medo e o terror. A história nos revela, até agora, que não existe cura para o fanatismo. Que se reinventa e se apresenta sob pretextos religiosos, políticos e até mesmo esportivos para dar vazão aos piores instintos de crueldade que existem no ser humano.

    “Na democracia, há complacência com o uso da liberdade de expressão para promover ideias radicais”

    A peste da alma, nas palavras de Voltaire, pode ser temporariamente contida. Porém vai se reinventado para dar vazão à crueldade do homem em uma permanente luta entre o bem e o mal. Mas, afinal, o que é o fanatismo político? O fanatismo é um estado psicológico obsessivo de fervor ou admiração excessiva por ideias, conceitos, temas e pessoas. Onde não se reconhecem valor e virtude no outro e nos seus argumentos. E visa a instilar nos indivíduos e nos grupos sociais motivação para posturas e atitudes extremadas.

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    Ao vivermos em Estados democráticos infelizmente existe uma certa complacência com narrativas fanáticas que usam da liberdade de expressão para promover ideias radicais e antidemocráticas. O que fazer? O caminho parece ser a difusão da informação de forma ampla e plural. Ainda assim, regimes ditatoriais sobrevivem à inundação de informações pelas redes sociais, o que coloca um desafio adicional. Dessa forma, apenas a informação pode não ser suficiente.

    Regimes democráticos devem combater o fanatismo radical que, fatalmente, desemboca em restrições às liberdades e garantias. Como? Promovendo o desenvolvimento social, combatendo males como a desigualdade, o racismo, a corrupção, o corporativismo, a desinformação, entre outros. E tendo a Constituição como marco maior. Mesmo assim, não há garantia de que a peste da alma não reapareça, com novas formas e narrativas, aproveitando do fato de que o ser humano é insatisfeito por natureza. Vale lembrar Nelson Rodrigues, que disse que não há “nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política”. “É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem.”

    Publicado em VEJA de 7 de setembro de 2022, edição nº 2805

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