A piscicultura, ou criação de peixes, tem suas raízes em antigas civilizações, como a China e o Egito. No início do século XX, a piscicultura no Brasil começou a ganhar importância. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), que foi criado em 1930, estabeleceu o marco inicial e passou a financiar projetos de criação de peixes em açudes no semiárido nordestino. Nos anos 1990 e 2000, a introdução de tecnologias sofisticadas de manejo e reprodução, bem como o aumento da demanda nacional e internacional por peixes cultivados, impulsionaram a piscicultura, que contribui para a segurança alimentar e desempenha um papel importante na economia de algumas regiões do Brasil.
Além da indústria alimentícia, produtos da piscicultura têm aplicação em várias outras áreas. Na indústria de nutrição animal, a farinha e o óleo de peixe podem ser utilizados para a fabricação de rações e suplementos nutricionais animais. Os óleos de peixes são ricos em ácidos graxos ômega-3, e são utilizados para suplementação humana. Resíduos do processamento de peixes podem ser compostados e transformados em fertilizantes orgânicos, integrando-se às lavouras. O óleo de peixe ainda pode ser convertido em biodiesel, contribuindo para a produção de energia renovável. Apesar da pequena escala, a produção desse biocombustível apresenta vantagens como a boa taxa de conversão e necessidade reduzida de limpeza dos equipamentos na etapa de refinamento.
A produção brasileira de peixes de cultivo (criados e não capturados em áreas naturais) foi de 887 toneladas em 2023, segundo a Peixe BR (Associação Brasileira da Piscicultura), 3,1% superior a 2022 e 53,2% maior do que 2014. A destinação da produção é majoritariamente para mercado interno, além do setor apresentar importações maiores do que as exportações. A tilápia é a principal espécie: nos últimos 10 anos, a produção no Brasil cresceu 103,2% consolidando-se na liderança dos peixes de cultivo, com 65,3% do total. O Brasil é o 4º maior produtor de tilápia do mundo, atrás da China, Indonésia e Egito. Completam a lista: os peixes nativos (29,7%); e outras espécies como carpa, truta e pangasius (5,0%). A produção brasileira de peixes de cultivo é liderada pelo Paraná (24,0%), seguido de São Paulo (9,3%) e Minas Gerais (6,9%). No mundo, o consumo per capita de peixes é de 20 kg/habitante/ano, enquanto no Brasil esse número é ainda cerca de 10 kg/habitante/ano.
Diferente da pesca tradicional, que envolve a captura de peixes de oceanos, rios e lagos, a piscicultura cultivada ocorre em tanques onde os parâmetros essenciais são rigorosamente controlados. Entre os agentes da cadeia estão os fornecedores de insumos, que incluem empresas de nutrição animal, de equipamentos e laboratórios de saúde animal. No elo de produção, os sistemas podem ser: (1) de ciclo completo, concentrando as etapas de alevinagem (produção de peixes jovens), recria e engorda em um único produtor; ou (2) cada etapa realizada por diferentes produtores. Após a fase de produção, encontram-se os agentes de processamento dos peixes, o que inclui a limpeza, filetagem, embalagem e conservação da carne, preparando-os para o consumo. Nessa etapa, ainda podem ser desenvolvidos produtos à base de pescado, como os alimentos em conserva, que tem maior valor agregado e possuem grande potencial de crescimento no Brasil. Por fim, encontram-se os distribuidores e atacadistas, os quais direcionam os produtos a parte final da cadeia, os mercados, supermercados, restaurantes e pontos de venda, chegando ao consumidor final.
O futuro da piscicultura brasileira é promissor e aponta para a expansão, guiada por algumas tendências. A adoção de tecnologias como aquicultura de precisão, sistemas de recirculação de água, monitoramento inteligente de condições ambientais e melhoramento genético, prometem aumentar a eficiência e a produtividade da criação de peixes. Além disso, a integração da piscicultura com outras atividades agropecuárias, como a aquaponia, que combina a criação de peixes com o cultivo de plantas, está emergindo é uma realidade e já pode ser aplicada em larga escala. Considerando que o Brasil importa anualmente cerca de 250 mil t de peixes – enquanto exporta apenas 50 mil t – existe um grande espaço para que a produção interna supra a demanda; há, portanto, a possibilidade de um choque de oferta, abrindo oportunidades a produtores, empresas e investidores.
A cadeia do peixe é mais uma que reforça a ideia de agregação de valor via proteínas animais. Uma fonte altamente nutritiva e com sistema de produção totalmente integrado a outras cadeias e sustentável por essência. Com o aumento na oferta, o peixe deve ficar mais padronizado, acessível e passar a compor cada vez mais as dietas pelo mundo a fora.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) da FGV (São Paulo – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em harvenschool.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves). Agradecimentos a Vinicius Cambaúva e Rafael Rosalino.