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Uma breve, e temível, história das vacinas que não deram certo

Doença rara em participante dos testes da vacina de Oxford, agora reiniciados, evoca os casos em que imunização provocou sequelas graves e até mortes

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 set 2020, 12h52 - Publicado em 14 set 2020, 07h09
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  • “O histórico de eventos adversos sérios é muito bom”, disse imunologista Anthony Fauci. “É muito, muito, muito raro que aconteça qualquer coisa associada à vacina que seja um evento sério”.

    O especialista em doenças infecciosas que todo mundo acostumou a ver falando sobre o novo coronavírus ao lado de Donald Trump, e que os antitrumpistas celebram como se fosse do lado deles, não estava tratando da pandemia atual. Sua declaração foi feita em 2009 e se referia à vacina com o instigante nome de Pandemrix, desenvolvida pela GlaxoSmithKline contra a gripe suína, provocada pelo vírus H1N1.

    Em escala muito menor do que acontece agora, a expectativa de uma epidemia grave havia provocado um processo acelerado de produção das diferentes vacinas desenvolvidas, com a “compressão” de etapas, quando a substância imunizante começa a ser fabricada mesmo antes que terminem os testes em massa para estabelecer as duas colunas fundamentais: eficiência e segurança.

    A Pandemrix, que nunca foi licenciada para uso nos Estados Unidos, provocou  entre imunizados europeus um dos mais bizarros efeitos colaterais da história das vacinas: a narcolepsia.

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    A “doença do sono”, quando o é afetado o mecanismo que regula o horário de dormir e a duração do sono, foi diagnosticada em um em cada 55 mil vacinados dos quatro aos dezoito anos na Inglaterra. A origem foi identificada na emulsão adjuvante, substância usada para turbinar o efeito da vacina.

     Os anticorpos estimulados pela Pandemrix para combater o H1N1 também podiam “colar” nos receptores do cérebro que regulam o sono e a vigília, provocando a reação autoimune em pessoas que já tinham um risco genético para a doença.

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    Praticamente todos os vacinados afetados pela narcolepsia, tal como muitas das pessoas que desenvolvem naturalmente essa doença rara e instigante, tinham uma variante específica num gene da família que ajuda o corpo a distinguir entre suas próprias proteínas e as provenientes de agentes invasores.

    Estamos, portanto, no campo delicado e misterioso das reações autoimunes. É exatamente nele que as vacinas, em casos relativamente isolados, podem provocar respostas exacerbadas.

    Foi o que aconteceu com a vacinação contra a gripe suína de 1976, quando um jovem soldado chamado David Lewis, baseado em Fort Dix, no estado de Nova Jersey, morreu em decorrência de uma nova cepa da influenza.

    Gerald Ford, o presidente que havia substituído Richard Nixon depois do escândalo de Watergate, queria ser eleito por direito próprio e a corrida da vacina começou. Quando a primeira imunização ficou pronta, tirou uma foto sendo vacinado.

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    O mesmo fizeram 45 milhões de cidadãos comuns, um terço da população americana na época. Desses, 450 desenvolveram a síndrome de Guillan-Barré, uma das mais misteriosas doenças da família autoimune. Trinta morreram. Curiosamente, a nova influenza não saiu dos limites de Fort Dix e a única vítima faltal foi o soldado Lewis.

    A Guillan-Barré (sobrenomes dos dois médicos franceses que a identificaram como patologia específica) provoca dores intensas e rápida e progressiva paralisação, resultado de um dos piores ataques que o organismo pode fazer a si mesmo: contra a bainha de mielina que envolve os axônios, as células nervosas.

    Com o embaralhamento nas mensagens enviadas ao cérebro, a capacidade de respiração é afetada nos casos mais graves. Geralmente, a origem da doença é associada a uma reação excessiva contra algum tipo de infecção, mas a medicina ainda está longe de desvendar completamente os mecanismos da síndrome.

    O princípio da imunização é conhecido desde sempre pela humanidade: veneno de cobra com veneno de cobra se cura.

    As vacinas são feitas com vírus inativos ou atenuados da doença que pretendem combater, ou com seus “primos-irmãos”,  como os adenovírus pesquisados e testados atualmente para criar anticorpos contra a nova cepa da família corona.

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    Um erro de fabricação levou a Cutter Laboratories a um dos episódios mais graves da história das vacinas. O uso de um vírus vivo, em 1953, infectou 220 mil pessoas vacinadas contra a poliomielite. Dessas, 70 mil desenvolveram fraqueza muscular, 164 sofreram paralisia e dez morreram.

    O “Incidente da Cutter”, como o caso ficou conhecido, não impediu que a vacinação contra a pólio viesse a se transformar num dos maiores sucessos da história da medicina, chegando, na prática, à erradicação da doença, com apenas 22 casos diagnosticados em 2017.

    As vacinas contra o novo  coronavírus já estão sendo fabricadas, em escala, com o objetivo de cortar etapas: quando sua segurança for comprovada, as doses já poderão começar a ser administradas.

    O problema é que a segurança só pode ser atestada com os testes em grandes quantidades de voluntários, na casa das dezenas de milhares, como está acontecendo agora. A quantidade de testes tem que ser grande justamente para filtrar as possíveis exceções, os efeitos adversos que uma pequena quantidade de pessoas pode ter. 

    Idealmente, num futuro não muito distante, quando os perfis genéticos forem administrados por Inteligência Artificial, casos específicos estarão identificados e dispensarão a imunização.

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    A interrupção por uma semana da aplicação em voluntários da vacina de Oxford, a mais adiantada dos oito protótipos na fase 3, descontando-se manobras propagandísticas como a Sputinik V de Vladimir Putin, foi causada por uma doença neurológica numa voluntária.

    A rara mielite transversa tem possivelmente uma origem autoimune. Ela também decorre de infecções que desencadeiam a inflamação da medula espinhal, danificando a mesma bainha de mielina envolvida na síndrome de Guillan-Barré.

    A busca em massa por uma vacina contra o novo vírus é um empreendimento científico sem precedentes.

    Nos anos cinquenta do século passado, as pesquisas sobre uma vacina para a pólio foram financiadas por um movimento popular, a Marcha dos Tostões.

    Na época, havia nos Estados Unidos 59 mil casos por ano de paralisia infantil, como era chamada. Ainda estava viva a memória do presidente Franklin Roosevelt, que venceu a grande depressão e a Segunda Guerra Mundial preso a uma cadeira de rodas, por causa da pólio.

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    Jonas Salk recebeu a fortuna de 200 mil dólares e em 1954 tinha a vacina pronta e testada (a fórmula líquida foi desenvolvida depois por Albert Sabin).

    Um estudo que analisou dados entre 1963 e 2015 concluiu que as vacinas contra pólio, sarampo, rubéola, raiva e hepatite evitaram 10 milhões de mortes em escala global.

    É esse tipo de expectativa, em escala infinitamente mais ampla e intensa, que aguarda a ChAdOx1, as iniciais, em inglês do extenso nome da “vacina vetorizada por adenovírus de chimpanzé desenvolvida pela Universidade Oxford”.

    Ou alguma de suas concorrentes em estágio avançado de testes.

    Saber que, no passado, houve erros e casos até fatais de efeitos colaterais não tira a urgência, no presente, de chegar à única forma totalmente garantida de combater o vírus.

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