Os húngaros vão votar amanhã para decidir um assunto que nem existe mais: as cotas de imigrantes que cada país da União Europeia deveria receber. A decisão de criar números obrigatórios foi tão mal recebida que nem se fala mais no assunto.
Também há poucas dúvidas sobre o resultado do referendo: a política de cotas será rejeitada. Há pesquisas que mencionam até 80% de votos contra, uma vitória formidável para o homem que convocou a eleição, o primeiro-ministro Viktor Orban, já prevendo seu resultado.
Muitos países têm políticos que comparam a Donald Trump. Orban já foi chamado de Trump húngaro, o que revela excesso de simplificação e falta de informação. Ele é muito melhor do que Trump, no sentido de que sabe articular com precisão intelectual e pendor mais embasado à provocação as ideias da nova direita europeia.
Esses partidos em ascensão são nacionalistas, contra abrir fronteiras a estrangeiros muçulmanos e africanos, anti-americanos e anti-União Europeia e, na maioria, simpáticos ao neo-imperialista russo Vladimir Putin. Orban resume sua ideologia como “democracia não-liberal”, no sentido do liberalismo político e econômico clássico.
“O mais popular tema do pensamento político hoje é tentar entender como sistemas que não são ocidentais, nem são liberais, nem democracias liberais e talvez nem sejam democracias, possam predominar em países bem sucedidos”, disse ele em entrevista ao Politico Dá como exemplos, além da Rússia putinista, a Turquia de Recep Erdogan, além de Cingapura e China.
Orban está no poder há mais tempo e é mais carismático do que os políticos com quem tem afinidade ideológica na Europa Oriental, como o primeiro-ministro da Eslovaquia, Robert Fico, e Jaroslaw Kascynski, líder do partido da Lei e da Justiça, majoritário na Polônia.
Tem mais estofo intelectual do que Marine Le Pen, na França, e mais gravitas do que Geert Wilders, na Holanda. Depois da vitória do Brexit, o espaço dessa nova direita na Grã-Bretanha foi simplesmente abandonado pelo peso levíssimo Nigel Farage.
A rejeição às elites globalizadas e ao modelo que predominou nas últimas décadas, de livre comércio, enfraquecimento do estado-nação e consolidação de instituições supranacionais, é o que move essa nova direita, populista e quase situada no extremo do espectro político.
Muitos analistas acham que é uma ironia que países como Polônia e Hungria, mais beneficiados pela vitória do modelo americano, indutor da derrota pacífica do comunismo ao estilo soviético na Europa, e agraciados com as vantagens da União Europeia, agora se insurjam contra seus salvadores.
Alguns atribuem isso à falta de tradições democráticas, ao excesso de bagagem histórica – geralmente do lado perdedor – e até a um apego antiquado às raízes cristãs. Orban, que é da minoria protestante na Hungria, utiliza muito bem a simbologia da resistência cristã às invasões muçulmanas do passado para caracterizar as ondas migratórias do presente como uma nova forma de ocupação.
Orban já foi chamado de “subversivo conservador”, líder da contra-revolução em curso na Europa e de Darth Vader da política húngara, um “jovem idealista destinado a salvar a galáxia” que, tal como o vilão originalmente nobre de Guerra na Estrelas, tornou-se “um liberal tão frustrado com o liberalismo que se revoltou contra ele” – segundo a Foreign Policy.
A imagem de jovem idealista surgiu quando o regime comunista estava no fim, mas ainda era perigoso aparecer, como ele, de cabelo desarrumado e barba por fazer, defendendo a democracia. Ao caminhar para a direita, a Aliança da Juventude Democrata, Fidesz em húngaro, perdeu outros dirigentes e ganhou votos.
O repúdio muitas vezes silencioso às ondas humanas que bateram na Europa nos últimos anos, que atingiram o ápice com a agora recuada política alemã de fronteiras abertas, deu a Orban o lugar na plataforma internacional que ele ocupa hoje.
Quando Viktor Orban fala – e ele fala bem, com um estilo refinado, agressivo e engraçado ao mesmo tempo -, muita gente escuta, muito além das fronteiras da Hungria. Pode ser um perigo, pode ser um aviso, pode ser mais um capítulo da eterna história em que Anakin Skywalker e Darth Vader se repelem e se atraem ao mesmo tempo.