Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês

Mundialista

Por Vilma Gryzinski Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Se está no mapa, é interessante. Notícias comentadas sobre países, povos e personagens que interessam a participantes curiosos da comunidade global. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Um golpe que não acaba nunca: chilenos ainda discutem a ditadura

Com um presidente de esquerda e um congresso de direita, o passado se torna motivo de discussões que refletem contradições do presente

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 13 Maio 2024, 21h19 - Publicado em 7 set 2023, 07h59
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Cinquenta anos depois do golpe militar de 11 de setembro de 1973, deveria predominar no Chile um amplo consenso sobre as vantagens da democracia, das decisões consensuais e do respeito pelas minorias e, obviamente, pelos direitos humanos.

    Esse consenso valioso, que permitiu a redemocratização pacífica do país, hoje dá lugar a uma discussão azeda sobre quem foi responsável pela derrocada democrática de 1973. Em grande parte, isso é resultado de uma situação atípica do Chile: depois de eleger, surpreendentemente, um presidente de extrema esquerda, Gabriel Boric, a maioria dos chilenos derrubou um novo e radical projeto de constituição e elegeu um congresso de direita para fazer outra reforma.

    Por causa disso, o debate ficou mais azedo e confrontacional. Inclusive sobre o golpe. Em vez de um documento comum em defesa da democracia, os três partidos de direita pura — sim, existe isso no Chile, e ninguém espera cargos no governo para aderir — não aceitaram o chamado Compromisso de Santiago e lançaram seu próprio documento. Nem a intervenção do ex-presidente Sebastián Piñera em favor do consenso, bastante moderado, proposto por Boric adiantou.

    O documento da direita também é equilibrado, mas evoca um passado que a esquerda quer fazer de conta que não existe, incluindo os graves abusos cometidos pelo presidente Salvador Allende em seu projeto nada menos que revolucionário.

    “A vivência que cada pessoa experimentou e suas severas consequências nos obrigam a refletir sobre essas cinco décadas, tomar consciência das aprendizagens e dos erros cometidos por todos os setores, e olhar para a futuro”, diz o documento. Em outro trecho, condena “toda expressão, movimento ou conclamação que se valha da violência ou do terrorismo para a promoção de suas ideias ou a conquista de seus objetivos”.

    São, obviamente, referências a abusos praticados pela esquerda numa época de extrema radicalização, com grupos armados autodenominados revolucionários já agindo mesmo durante o governo Allende e atos hediondos como o assassinato de proprietários rurais.

    Continua após a publicidade

    Outra reação da direita que não quer ver a glorificação oficial do presidente que se suicidou no Palácio de la Moneda, sob bombardeio das Forças Armadas, foi ler na Câmara de Deputados um documento datado de poucos dias antes do golpe em que Allende era acusado de grave quebra da ordem constitucional.

    O fato de que muitos chilenos apoiaram o golpe — e até hoje, nada menos que 36% acham que houve motivos para a intervenção ditatorial — ainda é um tabu para a esquerda. Cinquenta anos depois, o país ainda é dividido, embora uma ampla maioria condene o bárbaro método de prisões em massa, torturas e execuções praticado sistematicamente pelo regime militar.

    A falta de autocrítica da esquerda também voltou a ser assunto na Argentina, principalmente depois que a candidata a vice na chapa do ultralibertário Javier Milei, Victoria Villaruel, convocou um ato na Assembleia Nacional em memória das “vítimas do terrorismo” — ou seja, as feitas pelas organizações armadas de esquerda.

    Dizer que houve abusos hediondos dos dois lados, embora os detentores do poder do estado tenham responsabilidades redobradas, provoca surtos irracionais nos setores para os quais a Argentina se divide entre os bons e os maus. Victoria Villaruel, que é filha de militar, despertou manifestações de protesto com o ato e com suas declarações sobre a presidente das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto.

    “A verdade é que Carlotto tem sido uma personagem bastante sinistra para nosso país porque, com este semblante de vovó boazinha, justificou o terrorismo”, disse ela. “Faz política desde sempre e tem a família toda empregada pelo Estado.”

    Continua após a publicidade

    A filha de Estela, Laura, era militante dos Montoneros, foi presa, torturada e morta. Estava grávida e os torturadores esperaram a criança nascer. O neto, dado a uma família favorável ao regime, foi identificado por iniciativa própria em 2014.

    Histórias assim deveriam fazer todos nós pensarmos “nunca mais” — tanto para as monstruosidades praticadas nos porões das ditaduras quanto para grupos armados como os Montoneros, que mataram, sequestraram, explodiram e executaram, inclusive quem não tinha nada a ver com o regime, porque achavam que agiam em nome do Bem e tudo era justificado.

    O passado ainda assombra países como o Chile e a Argentina, onde a repressão foi infinitamente maior do que no Brasil. Propor nuances, conhecimento dos fatos e distanciamento histórico perturba quem se acha portador da verdade e da superioridade moral — de qualquer lado que seja.

    Gabriel Boric prometeu e está cumprindo lançar um plano nacional para buscar os 1 162 mortos durante a ditadura cujos corpos não foram recuperados. É justo fazer essa busca. Mas é inevitável que reabra feridas.

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Veja e Vote.

    A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

    OFERTA
    VEJA E VOTE

    Digital Veja e Vote
    Digital Veja e Vote

    Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

    1 Mês por 4,00

    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

    a partir de 49,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.