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Terrível descoberta de seis reféns recém-assassinados convulsiona Israel

O próprio Netanyahu já reconheceu que garantir a segurança geral do país é mais importante do que salvar sequestrados; população se revolta

Por Vilma Gryzinski 2 set 2024, 06h48
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  • Israel parou hoje de manhã e não é difícil compreender o motivo. Imaginem o tormento indescritível de ter uma filha em poder do Hamas há quase onze meses e, depois de tanto horror e esperança de que haveria um acordo para salvá-la, receber a notícia de que ela foi assassinada há poucos dias.

    O trauma das seis famílias dos reféns cujos corpos foram recuperados na quinta-feira passada e identificados ontem – quatro homens, duas mulheres – vai muito além do desespero: existe uma profunda divisão, e até interna no governo de Benjamin Netanyahu, sobre o quanto ceder para trazer as vítimas de volta. A explosão de protestos espontâneos reflete a verdadeira convulsão nacional que o caso provocou. Ontem, mais de 300 mil pessoas foram às ruas em Tel Aviv e mais 200 em outras partes. Dá nada menos que 5% da população do país.

    A opinião pública, hoje, acha majoritariamente que recuperar os reféns – não há certeza sobre o número de vivos, podendo ir de vinte a setenta – é mais importante do que manter a exigência de Netanyahu e da linha dura de seu governo para não ceder o controle de Israel sobre o Corredor Filadélfia.

    Ninguém sabe direito porque os israelenses usam esse nome grego – os árabes chamam de Corredor Saladino -, mas sua importância é autoexplicativa. É uma estreita faixa de terra de catorze quilômetros de comprimento, entre Gaza e o Egito, por onde passa o grosso do contrabando, principalmente de pessoas, armas e materiais de construção que garantiram a extensa rede de túneis à qual se deve a sobrevivência do Hamas até agora. Só para dar uma ideia: nessa pequena faixa, os engenheiros militares israelenses já destruíram uma rede de oitenta quilômetros de túneis.

    CHOQUE DE PRIORIDADES

    O dilema entre impedir um futuro ataque em grande escala do Hamas e conseguir a libertação dos reféns já tinha ficado claro desde o fatídico 7 de outubro, quando a organização terrorista que controla Gaza, ajudada por civis, atravessou a fronteira desguarnecida para saquear, sequestrar e matar – num total de seis mil pessoas, segundo o cálculo mais recente, um número simplesmente espantoso. Dentre os atacantes armados, cerca de mil foram mortos até Israel recuperar o controle das áreas fronteiriças.

    O Hamas conseguiu um trunfo sem precedentes ao capturar 250 pessoas, na maioria israelenses judeus, com pequenos grupos de trabalhadores agrícolas tailandeses e alguns árabes, como o beduíno Kaid Farhan Elkadi, libertado pelas Forças de Defesa de Israel de um túnel do qual aparentemente seus carcereiros haviam fugido. Do hospital para onde foi levado, muito magro, mas inteiro, ele falou com Netanyahu – a quem tratou, à moda árabe, de Abu Yair, pai de Yair, o filho mais velho do primeiro-ministro. Como todos os reféns libertados, pediu ao primeiro-ministro, com tranquila intimidade, que não esquecesse dos outros sequestrados.

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    Netanyahu obviamente não se esquece, mas deixou clara sua opção: entre eliminar ao máximo possível a capacidade militar do Hamas, garantindo a segurança futura dos moradores da área próxima de Gaza e do país em geral, e conseguir a libertação dos reféns, fica com a primeira escolha.

    Dois terços dos israelenses, ao contrário, acham que o país deve priorizar os reféns. Uma pesquisa de julho, mostra que 67% dos israelenses consideram mais importante não abandonar os cativos; apenas 26% preferem continuar a guerra. Um número praticamente idêntico acha que Israel está longe da “vitória total” sobre o Hamas prometida por Netanyahu, contra 23% que veem uma vitória próxima.

    GRITOS NA REUNIÃO

    A “escolha de Bibi” é obviamente uma das mais difíceis que qualquer governante do mundo teve que fazer nos últimos tempos: não salvar seus próprios cidadãos, sabendo que estão sendo torturados e as mulheres jovens, estupradas, para garantir o objetivo existencial da segurança nacional.

    Dentro do próprio governo há dissidências. Foi vazado o teor de uma reunião da semana passada em que o ministro da Defesa, Yoav Gallant, discute duramente a decisão de Netanyahu sobre o Corredor Filadélfia e a consequente rejeição do Hamas a um cessar-fogo em troca da libertação dos reféns. Netanyahu chegou a bater na mesa e subir o tom de voz. Gallant gritou com os outros ministros, favoráveis à posição de Bibi. “Existem pessoas vivas lá”, bradou sobre os reféns.

    Em mais um exemplo da profunda divisão, o chefe do Estado Maior das forças armadas, general Herzi Halevi, disse que os militares poderiam voltar ao Corredor Filadélfia a qualquer momento, depois do cessar-fogo inicial, não era preciso um obstáculo adicional como o colocado por Netanyahu, erguendo um novo impedimento a um acordo de libertação de, pelo menos, as mulheres jovens e outros com saúde comprometida, numa primeira fase. Praticamente todo o establishment militar e dos serviços de inteligência é a favor de um acordo para salvar os sequestrados.

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    Aconteça o que for, já é tarde demais para Eden Yerushalm, professora de Pilates de 24 anos que estava trabalhando num bar na festa rave Nova, onde foram chacinadas 364 pessoas, na maioria jovens que tinham ido para a balada no deserto. “Shani, eles me pegaram”, foram as últimas palavras de Eden para a irmã, com quem ficou no telefone durante as três horas em que se fingiu de morta, em meio à chacina, chegando a ouvir o sangue borbotando dos corpos de vítimas a seu redor

    PRESTAÇÃO DE CONTAS

    Outro assassinado foi Hersh Goldberg-Polin, cuja mãe, Rachel, se transformou talvez na mais ativa voz entre os familiares que se organizaram para reivindicar um acordo por parte do governo. Do papa Francisco a Joe Biden, ela fez a peregrinação com a foto do filho no momento do sequestro, sem o antebraço esquerdo, explodido por uma granada. A nacionalidade americana ajudou a promover sua causa nos Estados Unidos.

    É de cortar o coração vê-la ao lado do marido, Jon, desabar em soluços ao serem aplaudidos na recente convenção do Partido Democrata.

    Rachel se recupera, levanta a cabeça e fala em nome do filho de 23 anos, um dos mortos a bala, provavelmente porque os militares israelenses estavam ou pareciam estar próximos de libertá-los.

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    A maior organização de familiares – existe um grupo menor, de direita, que segue uma orientação diferente, mostrando como tudo em Israel é altamente politizado – faz constantes manifestações exigindo um acordo e acusa o primeiro-ministro de melar o jogo puramente por interesses políticos, uma injustiça, pois o interesse em desarticular o Hamas é uma questão vital para Israel. Embora ele saiba, evidentemente, que quando a guerra acabar terá uma longa lista de prestação de contas: fora os processos por corrupção, foi em seu turno que aconteceram as gravíssimas falhas de segurança que abriram caminho ao massacre de 7 de outubro.

    O Fórum de Famílias de Sequestrados e Desaparecidos chamou a Netanyahu de “Senhor Morte” depois da recuperação dos corpos dos seis reféns, e conclamou a greve geral que teve ampla adesão na manhã de hoje. O líder da oposição, Yair Lapid, pediu uma sessão extraordinária do Knesset, o parlamento israelense.

    “BEM FEITO”

    A casa de Israel está dividida e quem tem a comemorar com isso são o Hamas e seus odiosos financiadores e defensores.

    “Eu gostaria que você tivesse visto como seus amigos lutaram para te trazer de volta viva”, escreveu no X o primo de outra refém assassinada, Carmel Gat. “Gostaria que você não tivesse ouvido que o Corredor Filadélfia é mais importante do que a sua vida e a vida do resto dos reféns. Só posso imaginar como isso te encheu de raiva”.

    Muitos dos israelenses que odeiam Netanyahu acreditam na existência de um fator adicional: a maioria dos sequestrados é dos kibutz fronteiriços, com origens na esquerda sionista e no igualitarismo socialista.

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    Acham que por isso estão sendo abandonados pelo governo de direita. Extremistas ultranacionalistas já chegaram a dizer que foi bem feito o sequestro dos que, antes do ataque, protestavam contra o governo – uma abominação causada por choques ideológicos extremos comuns aos nossos tempos.

    PRIMEIROS DA LISTA

    É, obviamente, um absurdo achar que o primeiro-ministro não liga para os reféns. Nem que fosse estritamente por motivos políticos, ele só teria a ganhar, e talvez até salvasse a própria carreira, se conseguisse resgatar os sequestrados vivos.

    “Quem mata reféns não quer um acordo”, disse Netanyahu. “O Hamas continua rejeitando categoricamente qualquer proposta”.

    É mais uma das coisas às quais terá que responder quando chegar o tempo da prestação de contas.

    Eden, Carmel e Hersh estavam na lista dos primeiros a ser libertados em troca de um cessar-fogo e de terroristas palestinos presos em Israel.

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    A mulher de Alexander Lubanov, israelense emigrado da Rússia, teve o segundo filho durante o cativeiro dele. Nunca conhecerá o pai. Ori Danino salvou várias pessoas na festa rave, resgatando-as de carro do local onde o Hamas lançou um ataque em massa. Foi sequestrado quando voltou para tentar salvar mais jovens. Almog Sarusi também estava no festival e tentava prestar ajuda a sua namorada, Shahar, morta diante de seus olhos.

    TIROS NA CABEÇA

    “Peço perdão por não ter conseguido trazer Sasha de volta”, disse Netanyahu aos pais de Lubanov, na primeira manifestação do tipo que faz.

    Só para lembrar: os seis foram sequestrados, sofreram tormentos e acabaram mortos a sangue frio num túnel a vinte metros abaixo da superfície, em Rafah, pelo Hamas. É a organização terrorista quem tem o maior interesse em adiar um acordo, esperando que o Hezbollah e o Irã entrem em guerra total contra Israel, mudando totalmente o quadro atual.

    Também circula o boato que vários reféns, vivos ou mortos, estão em poder de organizações menores ativas em Gaza que reclamam do Hamas que seus próprios militantes sejam colocados na lista de prisioneiros a ser libertados em Israel. Nessa análise, as discordâncias desse tipo estão dificultando ainda mais um acordo.

    Netanyahu pode ser – e está sendo – responsabilizado por não facilitar um acordo, mas não é certo perder de vista quem deu os tiros na cabeça dos seis reféns.

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