Sem lua de mel, mas com esperança: começa a era Milei
Maioria dos argentinos tem expectativa positiva do novo presidente e acha que o país vai melhorar, ao contrário do que diz resto do mundo
Qual outro presidente assumiu dizendo: “Sabemos que a curto prazo, a situação piorará”?
O excepcionalismo de Javier Milei já se tornou amplamente conhecido. Original é a reação da maioria dos argentinos ao ajuste, a palavra mais mencionada por ele no discurso de posse: mais de 50% são a favor de um reajuste rápido e profundo, refletindo a o nível de expectativas positivas que o novo presidente desperta.
A aprovação ao ajuste fiscal é maior ainda do que a proporção de votos que Milei recebeu. Segundo uma pesquisa citada com previsível má vontade pelo Pagina12, 62% são a favor do choque de austeridade que vem pela frente. “Mas só um em cada quatro acredita que o ajuste vai cair sobre pessoas comuns como o próprio pesquisado. A grande maioria – 75% – pensa que o ajuste vai caber aos outros”, acrescentou o jornal de esquerda que ainda não assimilou a vitória de Milei.
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É claro que muitas das expectativas positivas são consequência do “pior do que está, não fica”, resultado do desempenho tão miserável do governo recém-encerrado que mesmo os eleitores do candidato presidencial derrotado desaprovam o melancólico Alberto Fernández, agora a caminho do merecido esquecimento. Só 16% aprovam o que ele fez ou deixou fazer.
Entre inflação e aumento da pobreza, os piores indicadores que se possa imaginar, outro número nefasto se destaca: o dólar no mercado paralelo subiu 1 324% durante o governo de Fernández. É de se admirar que ele tenha saído de orelhas baixas enquanto o povaréu na frente do Congresso vaiava sua mentora, Cristina Kirchner – recebendo em troca o gesto obsceno com que ela encerrou vergonhosamente a carreira pública?
A esperança dos argentinos contrasta com as unânimes advertências de perigo em todas as frentes para o novo presidente. Até o FMI, um perigoso monstro neoliberal na cabeça do espectro oposto, falou na necessidade de apoio político – que Milei não tem no Congresso – para sustentar a dureza que virá pela frente. O Banco Mundial manifestou preocupação pelo impacto na pobreza e até o Citi acha que “vai ser muito difícil que o choque seja politicamente sustentável”.
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“Não é que o FMI, o BM e o Citi sejam contra a ordem fiscal. São entidades que endossam o consenso internacional que prescreve o déficit zero em qualquer momento e lugar. O que acontece é que nunca ouviram alguém capaz de apostar num ajuste dessa magnitude”, escreveu Gustavo González na Perfil.
“Milei não é normal porque nenhum político normal se atreveria a avançar com medidas tão drásticas sem maioria em nenhuma das Câmaras, sem apoio sindical nem de movimentos sociais e sem juízes cujos padrinhos tenham saído das fileiras libertárias”, resumiu o comentarista.
E concluiu, enumerando todas as peculiaridades de Milei: “Anarcocapitalista, excêntrico, solitário, sem partido, sem seduzir a mídia, sem gastar fortunas em sua campanha, prometendo ajuste, sem maiorias parlamentares, sem família perfeita, esotérico, sem fidelidades permanentes. A partir de agora, somos governados por um presidente único”.
No “novo contrato social que os argentinos escolheram”, nas palavras desse presidente único, a Argentina vai precisar de toda a sorte que for possível angariar. E ainda mais um pouco.
Hoje começa a pauleira.