Pode um homem ser gênio e, ao mesmo tempo, um idiota?
Elon Musk faz de tudo para provar que sim. Sua nova biografia autorizada, o que colocou o autor, Walter Isaacson, na sua cola durante dois anos, em vários sentidos confirma isso.
Só os nomes dos filhos com a cantora Grimes já mostram o lado mais bizarro. Já conhecíamos X Æ A-12 (com ele na foto acima) e Exa Dark Sideræl. Agora sabemos que a terceira criança, de gênero não revelado, recebeu o nome de Techno Mechanicus. Mas podem chamar de Tau.
É justo sobrecarregar os filhos com nomes assim? Elon Musk, obviamente, vive em outro mundo, com pouco a ver com os mortais comuns. Por exemplo, a biografia revela que ele não deu acesso à Ucrânia para usar a rede de satélites Starlink num ataque concatenado de drones contra a frota russa no Mar Negro. Só para lembrar: foi com as antenas conectadas ao Starlink, doadas de início do próprio bolso, que Musk salvou o país da total escuridão de comunicações.
Musk disse que conversou com o embaixador russo nos Estados Unidos, Anatoli Antonov, e se convenceu de que o ataque à frota, planejado no ano passado, poderia levar a uma “resposta nuclear”.
Quem pode levar a sério, desde a invasão da Ucrânia, o que diz um diplomata russo? Musk, obviamente.
“Se eu tivesse concordado com o ataque, a SpaceX seria explicitamente cúmplice num grande ato de guerra e na escalada do conflito”, disse ele, aumentando o prestígio que conquistou entre a direita trumpista americana, que, contraditoriamente, fica cada vez mais do lado escuro da força no caso da Ucrânia. Ao vice-primeiro-ministro ucraniano que implorou pela liberação da rede, sem a qual os drones não atingiriam os alvos, Musk aconselhou que “buscasse a paz enquanto estão em posição de vantagem”.
Brincar de Deus e interferir num conflito de grandes proporções é uma das várias alternativas com que os gênios bilionários do mundo high tech se ocupam.
Só para dar um senso de proporção: o PIB da Ucrânia é de 160 bilhões de dólares e a fortuna de Musk é de 250 bilhões. Ele também tem o Twitter, que rebatizou de X, com pouco sucesso, para pontificar sobre tudo e todas as coisas.
Elon Musk pensa muito em catástrofes como uma guerra nuclear, colapso climático, autoextinção pelas baixas taxas de crescimento populacional e devastação dos humanos pela inteligência artificial. Quer nos salvar disso tudo, à sua maneira, através da exploração espacial. E vê nos exageros politicamente corretos, hoje chamados de pensamento woke, o caminho para todas as desgraças que quer evitar.
“A civilização nunca se tornará multiplanetária se não acabarmos com o vírus woke, que é fundamentalmente anticientífico, antimeritocrático e anti-humano de forma geral”.
Note-se que ninguém está mais falando na luta que colocaria no octógono Musk contra Mark Zuckerberg, um confronto provavelmente imaginário que serviu como instrumento de promoção para os dois multibilionários.
Dar ou levar pancadas evocaria para Musk uma infância extremamente infeliz na África do Sul, com um pai brutal que o levava para temporadas num acampamento para meninos especializado em “sobrevivência” na selva, Na primeira temporada, Musk, uma criança miúda e com sérios problemas de comunicação, foi impiedosamente espancado. Já tinha experiência: apanhava muito dos meninos maiores na escola.
“Isaacson acredita que Musk queria comprar o Twitter porque sofreu tanto bullying quando criança e agora pode ser o dono do playground”, escreveu o New York Times, que teve acesso antecipado à biografia que está sendo lançada hoje.
É uma explicação provavelmente muito simples para um sujeito complexo, que se considera bipolar e portador de Asperger, um gênio com QI de 155 e baixa inteligência emocional, capaz de construir um programa espacial do próprio bolso, para não falar em outros portentos, incluindo a Tesla. Sem falar nos onze filhos (o primeiro, teve morte prematura, dois foram gerados com esperma doado a uma funcionária e um que era menino virou menina, tendo pedido na justiça a ruptura de qualquer laço com o pai). Musk disse a Isaacson que a atividade mais recompensadora que tem é o tempo passado com os filhos.
Construtores de fortunas sem precedentes na história da humanidade despertam uma enorme curiosidade e a nova biografia acrescenta dados e histórias curiosas sobre um dos personagens mais intrigantes do mundo contemporâneo, com um pé aqui, no nosso planeta, e outro já partido para o próximo. Um visionário que exige dos funcionários que contestem tudo, o tempo todo, e só aceitem os limites das leis da física. Pai de X, Y e Tau, como são chamados os filhos com Grimes, sem se preocupar que um dia as crianças também sofram bullying. Muito dinheiro dá muita proteção, mas não blinda contra tudo.
“De que outro jeito vamos eleger Donald Trump em 2024”, disse ele aos filhos mais velhos, adolescentes, quando comprou o Twitter, segundo Isaacson. Era uma ironia, mas tem gente que leva a sério. Desde que reabilitou a conta do ex-presidente, passou a ser visto como um trumpista perigoso, embora declare não ser “fã de Trump” e o considere, basicamente, um vigarista.
Uma historinha final: quando Grimes (nome verdadeiro: Claire Boucher), deu à luz o primogênito X (a menina nasceu de barriga de aluguel; Tau, ninguém sabe), Musk fotografou o instante do parto e compartilhou a foto com parentes e amigos, incluindo o pai e o irmão da mulher. Não compreendeu por que ela ficou mortificada.
“Eu reinventei os carros elétricos e vou mandar gente para Marte num foguete espacial”, definiu-se Musk ironicamente no programa humorístico Saturday Night Live. No caminho, vai continuar incomodando incontáveis inimigos – e também aqueles que não conseguem colocá-lo sob nenhum rótulo. Se existe alguém que encarna a ideia de viver fora da caixa no mundo, hoje, dificilmente não se chamaria Elon Musk.