Uma das coisas mais difíceis de entender, para quem está fora, é por que os catalães querem se separar de um país maravilhoso como a Espanha e os escoceses sonham em dizer adeus ao Reino Unido, com todas as suas vantagens, inclusive uma monarquia sem poder real, mas um sensacional aparato.
O artigo “os” é genérico – nem todos os mencionados aspiram à independência, mas os que o fazem são movidos por pulsões nacionalistas apaixonadas e, como é próprio desse tipo de sentimento, irracionais.
Dificilmente Nicola Sturgeon poderia ser classificada de “apaixonada” ou muito menos de “irracional”, mas é ela quem vai tocar a causa da independência escocesa, reforçada pela votação maciça no seu Partido Nacional da Escócia.
É fácil entender por que os escoceses gostam tanto de sua primeira-ministra (em inglês, “first minister”, um termo que não se distingue, em português, de “prime minister”, o chefe do governo britânico).
Nicola (pronuncia-se Nícola) é um osso duro de roer, o que combina com o estereótipo do escocês cabeça dura. É possível ver como ela desafia – e irrita – os ingleses, certamente uma vantagem adicional para seus admiradores.
Ela ganhou prestígio pela forma obstinada, um tanto pernóstica, como conduziu os medidas do governo – autônomo – da Escócia. Durante duzentos dias, cinco vezes por semana, a primeira-ministra, deu entrevistas coletivas exortando os escoceses a seguir medidas de confinamento mais duras do que na Inglaterra.
Inflexível, mas também convincente, dava para sentir como ela procurava ser coerente e firme, enquanto Boris Johnson fazia exatamente o contrário, no seu estilo caótico.
No final, quem salvou a pátria – ou as pátrias, do ponto de vista nacionalista – foi Boris com seu pioneiro e bem sucedido programa de vacinação, uma esfera de atuação reservada ao governo da união.
Para lembrar: o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte é uma união de quatro componentes, Inglaterra, País de Gales, Escócia e, claro, Irlanda do Norte. Como a primeira é a potência que conduziu a incorporação das demais, existem movimentos nacionalistas em todas elas.
A união entre Inglaterra e Escócia tem mais de trezentos anos, datando de 1707, mas os dois países já tinham o mesmo monarca desde 1603. Um nada para os escoceses que se consideram desprezados e humilhados pelo vizinho, mais forte e mais hegemônico. A autonomia aumentada, incluindo parlamento e governo próprios, dada quando Tony Blair era primeiro-ministro, em 1997, não satisfez os nacionalistas mais apaixonados.
Em 8 de setembro de 2014, os escoceses tiveram a chance de decidir: por 55% a 45%, votaram por continuar na união.
Agora, Nicola Sturgeon e seu partido querem repetir a dose, acreditando que um novo plebiscito dará maioria aos separatistas.
A proposta do novo referendo tem que ser apresentada pelo primeiro-ministro e aprovada no Parlamento britânico – e as chances são perto de zero de que isso aconteça tão cedo.
O plano de Nicola é armar um referendo e ir para a Justiça se Boris Johnson não ceder, colocando- como o vilão que não quer ouvir o povo – e a si mesma como a heroína em gloriosa campanha pela independência.
No auge da pandemia, com Nicola Sturgeon parecendo no controle da crise e Boris passando uma imagem de total descontrole, o apoio à independência aumentou. Hoje, pelas pesquisas, está praticamente empatado: 47% contra a separação, 44% a favor.
A Escócia onde Adam Smith codificou as vantagens da economia livre e James Watt desencadeou o capitalismo com a máquina a vapor é hoje um país convertido ao progressivismo e Nicola Sturgeon é a profeta dos benefícios sociais crescentes. Atualmente, promete uma renda mínima e universidade gratuita, entre outras benesses, sem falar em descarbonização total até 2045.
Os separatistas acham que, assim que for declarada a independência, vão aderir imediatamente à União Europeia – um conceito de alta complexidade, pois outros países importantes têm seus próprios problemas nessa área e não querem saber de divisões territoriais.
A Escócia, que tem apenas 5,4 milhões de habitantes, vende dois terços do que produz à Inglaterra e, se separada, teria um bom prejuízo, pelo menos inicialmente.
O argumento econômico funciona com os parcimoniosos escoceses, mas o fervor nacionalista , como no caso do Brexit, é um concorrente duro de enfrentar.
Em entrevista à New Yorker, Nicola Sturgeon, 50 anos, filha de um eletricista nascida num bairro industrialmente decadente de Glasgow, comparou seu próprio estado de espírito ao sentimento de inferioridade que perpassa a vontade de independência.
“Eu sempre acho que tenho que provar, sem parar, que mereço estar fazendo o que faço. Acho que isso reflete de alguma maneira a psique nacional da Escócia”.