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O “rosto de Jesus”: mais um elemento aumenta enigma do Sudário

A recriação foi feita por inteligência artificial num momento em que nova medição científica remonta a mortalha a dois mil anos

Por Vilma Gryzinski 23 ago 2024, 06h19
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  • Como a frente e as costas de um homem chicoteado e torturado aparecem numa mortalha de linho de cinco metros?

    Muitos acharam que a questão do Santo Sudário estava resolvida quando medições de radiocarbono feitas às cegas, em 1988, por três diferentes laboratórios, de pequenas amostras tiradas com fita adesiva, com autorização da Igreja, dataram a relíquia em algum momento entre os anos de 1260 e 1390.

    Ah, aquela gente da Idade Média e suas superstições. O Sudário de Turim era uma falsa relíquia, um embuste para aumentar a fé dos que se deixavam enganar (e, obviamente, manter sobre eles o poder da Igreja e da nobreza).

    Nenhum cientista de verdade endossaria isso. A medição era apenas um fator a mais, não uma resposta definitiva. E nem explicava como o tecido de linho usado para envolver corpos pela tradição judaica da época tinha a imagem de um homem despido, com inúmeros sinais de flagelação e sangramento em volta da cabeça, gravada em frente e verso. Nem a química nem a física explicam a imagem, revelada pelo negativo de uma fotografia tirada em 1898.

    VOLUNTÁRIOS CRUCIFICADOS

    Especialistas em tanatologia e outros ramos científicos continuaram tentando. Segundo um artigo da revista Science, o legista Matteo Borini, de uma universidade britânica, chegou ao extremo de contratar voluntários para se deixarem crucificar – obviamente sem os horrores do método de execução usado pelos romanos para os mais inferiores condenados. Aspergiu sangue sobre eles e os envolveu em tecidos. Não conseguiu nada parecido.

    Giulio Fanti, engenheiro mecânico da Universidade de Pádua, suspendeu um manequim envolto em linho e disparou uma corrente elétrica de 300 mil volts em seus pés durante 24 horas, testando a hipótese de que o ar ionizado gravaria a sua imagem. Disse ele sobre os esforços frustrados: “Centenas de cientistas tentaram em vão propor hipóteses para explicar mesmo parcialmente a imagem do corpo”.

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    Um novo estudo feito por pesquisadores italianos voltou a agitar as hipóteses na semana passada. O estudo chefiado por Liberato De Caro, do Instituto de Cristalografia da Itália, usou um novo método de datação que mede a degradação estrutural através de raios X. Conclusão: a data foi colocada entre os anos 55 e 74 da era cristã, que obviamente só foi assim conhecida depois (por cálculos feitos em 525 pelo magnificamente chamado monge Dionísio, o Exíguo, um matemático dedicado a prever as datas da Páscoa).

    Nada no estudo diz que é o corpo de Jesus Cristo. Apenas coloca o sudário de linho numa época bem próxima de sua morte, segundo as crenças cristãs e os indícios históricos – os especialistas concordam que um homem chamado Jesus de Nazaré existiu na Judeia na época do reino de Herodes (depois dividido numa tetrarquia, ou um regime de quatro herdeiros) e pregou ensinamentos que viriam a dar origem ao cristianismo.

    FUNGOS E BACTÉRIAS

    Mas os autores do estudo acreditam que a datação anterior por carbono, a que remete a mortalha à Idade Média, foi contaminada por fungos e bactérias, além de poeira e resíduos de minerais como o calcário.

    A hipótese deles de que tenha quase dois mil anos só é viável se o tecido tiver sido mantido entre 2o e 22,5 graus de temperatura e 55% e 75% de umidade durante os 1 300 anos em que sua existência era desconhecida e depois nos sete séculos em que se tornou venerado ao longo de sua trajetória entre a França e a Itália.

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    É, portanto, praticamente impossível que tais condições tenham se mantido durante dois mil anos.

    Um enigma a mais na trajetória cujos traços históricos remontam a 1354, quando há os primeiros registros de que foi exibido numa igreja da cidadezinha francesa de Lirey (a dinastia de Savóia depois o comprou e removeu para Turim). Em menos de cinquenta anos já estava sendo denunciado como falso.

    INCONSCIENTE COLETIVO

    O “rosto de Jesus” criado a partir do sudário foi feito pela empresa de inteligência artificial Midjourney, a pedido do tabloide britânico Express.

    É, obviamente, o tipo de assunto que os tabloides adoram. Religião, mistério, crenças medievais, e também um bocado de fake news, quem resiste?

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    Ainda mais quando o rosto mostra extraordinária semelhança com pinturas de grandes mestres, em especial as de Andrea Mantegna, refletindo exatamente o que o nosso inconsciente coletivo esperaria do rosto de Jesus martirizado.

    Teria a inteligência artificial recorrido a essas pinturas imaginárias ou realmente reconstituiu o rosto do homem no sudário misterioso?

    “José tomou o corpo, envolveu-o num limpo lençol de linho e o colocou num sepulcro novo, que ele havia mandado cavar na rocha”, diz o Evangelho de São Mateus, referindo-se a José de Arimateia.

    Os enigmas continuam.

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