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O que já era péssimo ficou horrível: quadrilhas do crime dominam Haiti

Imaginem vários milhares de bandidos que escapam da cadeia, um chefe de facção apelidado de ‘Churrasco’ e a possibilidade de que tomem o poder

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 9 Maio 2024, 11h28 - Publicado em 11 mar 2024, 06h47
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  • Espíritos mais céticos dizem que “bandidos no poder” é a situação normal do Haiti, mas na verdade nada se compara à perspectiva de que as quadrilhas de criminosos, engrossadas por uma fuga em massa de vários milhares de detentos de duas penitenciárias, acabem com os últimos focos de resistência da polícia e, literalmente, tomem o que resta de instituições, como a sede do governo e outros poucos lugares.

    O chefe do G9, sarcástica designação da coalizão de facções criminosas que mesmo antes dos últimos acontecimentos já tinha o domínio territorial da maior parte de Porto Príncipe, deu de falar como líder revolucionário, talvez imaginando incorporar os chefes históricos da única rebelião de escravos que deu certo nas Américas.

    “Os verdadeiros inimigos são o governo, os ministros, os empresários, os encarregados da segurança. Povo haitiano, tome as ruas e proteste com todo ódio, toda raiva, toda fúria”, insuflou Jimmy Chérizier, o Babekyou, corruptela de Barbecue, apelido decorrente do hábito de queimar inimigos vivos ou de uma lembrança do passado, ajudava a mãe a vender espetinho de frango quando era criança. Um não elimina o outro.

    O povo haitiano, de forma geral, estava mais preocupado em escapar da violência avassaladora, mesmo pelos padrões locais, ou pensar numa forma de fugir do país – aumentando a pressão sobre o governo americano num momento em que o governo Biden quer se concentrar na eleição presidencial de novembro.

    IMPERADOR DO HAITI

    Além da Ucrânia e de Gaza, uma grande crise no Haiti criaria um ruído que o governo quer evitar o quanto puder – e talvez exigiria mais uma intervenção. Historicamente, os Estados Unidos já tentaram várias opções, de intervenção militar direta a ações multilaterais de paz, como a da qual o Exército brasileiro participou.

    Tudo deu errado e, se o caos dominar no Haiti, alimentando cenas trágicas e ondas de refugiados, Joe Biden não tem a opção de dizer, como Napoleão: “Dane-se o açúcar, dane-se o café, danem-se as colônias”.

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    A frase de Napoleão selou a infeliz intervenção no Haiti depois do levante dos escravos contra o domínio colonial francês. Os soldados de Napoleão, considerado o maior estrategista militar da história, foram dizimados por um inimigo cruel, a febre amarela, embora tivessem conseguido prender e mandar para a França o líder sublevado, Toussaint Louverture, um ex-escravo que que chegou a ter seus próprios cativos, numa das tantas contradições da história do Haiti.

    A independência da metade da ilha de São Domingos, a Hispaniola de Cristóvão Colombo, foi proclamada por um dos comandados de Louverture (que morreu no cárcere na França), Jean-Jacques Dessalines. Dois anos depois, em 1804, ele se proclamou imperador do Haiti, uma farsa que não desmerece a luta pela libertação nem torna melhor a sequência de massacres de colonos – homens, mulheres e crianças – que apavorou as Américas na época, inclusive o Brasil.

    O Haiti, na visão dos otimistas, deveria ser um exemplo edificante de que cidadãos negros oprimidos pelo passado de escravidão poderiam criar um país livre e próspero, tendo o controle de im pó branco que só perderia em valor para a futura cocaína, o açúcar.

    DOMÍNIO SOCIAL

    Infelizmente, a história demonstrou que há pouco espaço para o otimismo no Haiti. Desorganização social, instituições fraquíssimas e corrupção terminal criaram um país falido que entrou numa nova espiral de violência desde o estranho assassinato, em 2021, do presidente Jovenel Moïsi (agora, até a mulher dele, ferida no atentado desfechado por mercenários colombianos dentro da residência presidencial, está sendo acusada de cumplicidade).

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    Desde o assassinato, o avanço das gangues foi acelerado e os bandidos “conseguiram transformar seu controle territorial em domínio social, econômico e militar”, segundo resumiu para o Le Monde o cientista social francês Romain Le Cour Grandmaison, um especialista em crime internacional.

    O primeiro-ministro Ariel Henry deveria organizar a sucessão, pelas urnas, mas como todos antes dele, foi ficando. Estava no Quênia, assinando um tratado de envio de tropas para mais uma missão de paz, quando aconteceu a fuga em massa dos maiores criminosos do país e a aceleração do caos, com vítimas das gangues queimadas nas ruas e o ex-policial “Churrasco” dando declarações cercado por bandidos mascarados como se fosse um agente político legítimo.

    SEQUESTROS EM MASSA

    Henry não conseguiu voltar para o Haiti por interdição do aeroporto e foi para Porto Rico.

    As gangues vinham se financiando com extorsão e sequestros em massa. Num levantamento da ONU, foram 2490 casos no ano passado. Desde a fuga em massa – um passeio: bandidos se aproximaram, carcereiros fugiram -, os criminosos incendiaram dezenas de delegacias e as forças policiais treinadas com tanto esforço por países estrangeiros, na esperança d estabilizar o país, estão acossadas.

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    Os Estados Unidos e países caribenhos do Caricom estão tentando um governo transitório, com um primeiro-ministro interino e a promessa de eleições.

    Muito pouco para o novo ciclo de caos.

    Numa medida preventiva, uma unidade dos fuzileiros navais americanos está treinando uma intervenção a jato no Haiti, para o caso de um aumento tão disparado da violência que não reste outra opção. Ninguém quer isso, mas qual a alternativa?

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