Na versão oficial de Moscou, o principal navio de guerra russo no Mar Negro, batizado com o nome da capital, sofreu um incêndio e foi a pique quando era rebocado para o porto por causa do mar agitado. Todos os 510 tripulantes se salvaram.
Num filme sem som divulgado ontem, cerca de 200 oficiais e marinheiros são cumprimentados pelo comandante do Moskva, Anton Kuprin, e pelo comandante da Marinha, almirante Nikolai Yevmenov.
Nem 24 horas se passaram até que as primeiras fotos do Moskva indicassem uma realidade muito diferente: um buraco no casco, sinais de vários focos de fogo e outras marcas consistentes com um ataque externo.
Provavelmente foram tiradas em embarcações que foram socorrer o Moskva, a nau capitânia da força naval russa no Mar Negro – e que não pode ser substituída porque a Turquia fechou o Bósforo a naves de guerra.
“Meu filho ligou chorando. Foi horrível o que viu”, contou a mãe de um jovem tripulante, falando sob condição de sigilo ao Novaia Gazeta, o jornal independente que agora tem de funcionar fora da Rússia. “Muita gente não sobreviveu.”
Autoridades ucranianas disseram ter consciência de que o ataque ao Moskva, de 12,4 mil toneladas, um dos orgulhos da Marinha russa, seria vingado. Exatamente o que passou a acontecer em seguida, com bombardeios russos contra a fábrica de onde saíram os mísseis Netuno, de produção local.
A Ucrânia, que herdou uma indústria armamentista do tempo da União Soviética, tinha apenas dois mísseis dessa categoria, transportados por caminhões e disparados de terra. Esperou o momento certo para atacar o Moskva, distraindo seus sistemas de defesa antiaérea com drones.
A perda do Moskva foi um golpe tão grande que apresentadores de programas da televisão russa, mais putinistas do que Putin, cometeram inconscientemente um lapso revelador: trataram o caso como um ataque “do Ocidente” e não o acidente da versão oficial.
“Podemos com certeza dizer que estamos na III Guerra Mundial”, disse Olga Skabaieva, do canal Rossya 1. “É uma guerra total, multifacetada, contra o Ocidente”, concordou o comentarista militar Dmitri Drozdenko.
Outros especialistas alinhadíssimos com a doutrina oficial clamaram por bombardeios contra Kiev (que já estão acontecendo) e contra as linhas de abastecimento de armas para a Ucrânia procedentes da Polônia e de outros países fronteiriços.
O afundamento do Moskva tem um peso militar médio e uma grande importância simbólica: foi dele que partiu o aviso de rendição, logo no começo da guerra, a treze militares ucranianos que defendiam uma ilhota. Mesmo sem a menor condição de enfrentar uma potência flutuante como o Moskva, a resposta dos ucranianos tornou-se um clássico: “Nave militar russa, vá se ferrar”.
Os termos foram ligeiramente alterados.
Entre as várias versões que circularam, os ucranianos foram mortos, presos ou resgatados. Um deles apareceu num vídeo oficial sendo condecorado. O governo emitiu um selo comemorativo, com um sinal universal substituindo o palavrão, e houve filas nas agências do correio de Kiev para comprar.
O afundamento do Moskva, com tudo o que significa, não altera a mudança de estratégia da Rússia: transferir o foco para as regiões separatistas de Luhansk e Donetsk. Se os russos consolidarem o controle sobre essas áreas, Vladimir Putin terá uma vitória para anunciar.
Irá se contentar com isso? Quanto mais sofre reveses, mais perigoso fica. “Precisamos ter cuidado para não colocar Putin num beco sem saída, onde não tenha mais nada a perder”, disse David Petraeus, o estreladíssimo general americano da reserva.
“Por enquanto, ele ainda tem muita coisa a perder”, acredita Petraeus, referindo-se não às perdas em combate – “Ele não parece preocupado com os números de jovens soldados mortos ou seriamente feridos” –, mas com os prejuízos para a economia russa em geral e para os poderosos em particular.
É muito mais fácil erguer cortinas de fumaça metafórica para esconder os mortos do Moskva, o tipo de manobra que Putin e suas cortes de manipulares estão acostumados a fazer.
Sem comunicação com as vítimas, as famílias já sabem que algo muito ruim aconteceu. Chorarão em silêncio.