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Muitos árabes celebram morte de Nasrallah, no Líbano e outros países

Não se enganem com as cenas trágicas na parte Sul de Beirute: fora dos redutos xiitas, libaneses de outras regiões e árabes sunitas se sentem vingados

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 30 set 2024, 08h39 - Publicado em 30 set 2024, 06h55
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  • Garrafas de champanhe espoucando, distribuição de doces, danças e fogos de artifício. Quem vê só as cenas de luto, geralmente as únicas mostradas em canais de televisão, pode concluir que a morte de Hassan Nasrallah, numa fulminante operação israelense que matou mais vinte chefões terroristas, é objeto de consternação generalizada. As celebrações somem do mapa e só aparecem os lamentos, que tenderão a aumentar com a descoberta do corpo e próximo funeral, cercado pelo aparato ritualístico xiita.

    Nasrallah, na verdade, era odiado por outras facções religiosas no Líbano, especialmente cristãos – que podem tomar bebidas alcoólicas livremente daí as champanhes – e sunitas, para ficar nas principais, entre o total de 18 formas de culto do país.

    Habilmente, com dinheiro e orientação do Irã, ele transformou o Hezbollah na força mais poderosa do Líbano, atraindo traidores sunitas, como Saad Hariri, e cristãos, como Michel Aoun e Suleiman Frangieh, que se atrelaram à organização xiita para atender a seus próprios objetivos.

    Talvez estejam pensando duas vezes, agora que Israel restabeleceu o que os especialistas chamam de poder de dissuasão. E as pessoas comuns entendem simplesmente como direito de vingança num lugar onde esta é uma linguagem amplamente entendida: matou judeus, será morto por Israel. O famoso fez, pagou.

    Além de ter arrancado a submissão de personalidades influentes, Nasrallah era o homem mais importante não apenas do Hezbollah, mas do Líbano. Os líderes que não conseguia atrair com poder, dinheiro e até acobertamento para atividades como o tráfico de drogas, ele mandava explodir.

    SEQUÊNCIA DE CARROS-BOMBA

    Para entender melhor por que sua morte foi comemorada por libaneses basta ver a lista de figuras ilustres que o Hezbollah assassinou, em conluio com a Síria e o Irã, a começar por Rafik Hariri, ex-primeiro-ministro e mais importante líder sunita. Além de pai de Saad Hariri, que choramingou o categórico passamento do mandante do assassinato que mudou o Líbano em 2005, desencadeando a Revolução dos Cedros, um movimento que culminou na saída das tropas sírias que ocupavam o país.

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    Outros nomes da lista: o jovem Pierre Amine Gemayel, filho do ex-presidente Amine Gemayel, sobrinho e neto de outros líderes cristãos maronitas do grupo Kataeb. Excepcionalmente, ele foi fuzilado por pistoleiros quando dirigia seu carro, para o qual se recusava a aceitar escolta. Um carro-bomba varreu do mapa Gebran Twani, dono do jornal An Nassar e uma força da natureza, um influente cristão greco-ortodoxo que ousava pisar nos calos da Síria e de seus aliados do Hezbollah.

    Mais um morto com a assinatura do Hezbollah: Mohammad Chattah, líder sunita que foi ministro das Finanças de um governo que deveria ser de união nacional e braço direito do mesmo Saad Hariri que hoje lamenta a morte do mandante do assassinato tanto de seu pai quanto do colaborador.

    Cenas bem menos discretas de alegria foram vistas em partes da Síria que continuam sob controle de rebeldes. Nasrallah seguiu seus mestres iranianos e colocou combatentes do Hezbollah para atuar diretamente na guerra civil síria ,do lado do hediondo Bashar Assad. Houve reações negativas até dentro do Hezbollah, por causa do grande número de mortos numa causa que não tinha nada a ver com o Líbano. Mas Nasrallah impôs sua vontade: o “arco xiita”, projeto de hegemonia traçado pelo Irã, estava acima de tudo.

    “DIA MAIS BONITO”

    Muitos dos que celebraram sua morte na Síria não são muito diferentes dos radicais xiitas: o que muda é só o registro. Seguem o fundamentalismo sunita, na linha da Al Qaeda e até do Estado Islâmico. Estes extremistas acreditam que os xiitas são hereges e devem ser sumariamente eliminados, como faziam os fanáticos do Estado Islâmico.

    Mas havia também pessoas comuns, oprimidas pelo regime de Assad e seus aliados libaneses. “Foi o dia mais bonito da minha vida”, disse em Idlib Ahmed Al-Ali a um correspondente do Telegraph, referindo-se a vários amigos mortos na Síria por membros do Hezbollah.

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    Outra declaração, de Yasmine Muhammad: “Difícil de descrever minha felicidade. O Hezbollah cometeu vários massacres contra sírios e também participou da fome deliberada e do desalojamento de milhares de sírios”.

    Também houve comemorações virtuais quase secretas de iranianos, inclusive mulheres celebrando com chá (sem mostrar o rosto), e em áreas do Iraque.

    Outros árabes sunitas comemoraram simplesmente porque consideram que o Irã dos aiatolás, mesmo sendo da corrente minoritária, é uma grande ameaça para eles. É uma alegria “indescritível” a morte do “líder em matéria de violência, extremismo, terrorismo e traição”, saudou o influenciador saudita Abdullah Al-Shaik.

    O Irã é uma ameaça orgânica para os sunitas, inclusive por estar a poucos passos de produzir um artefato nuclear.

    Um Irã nuclear mudaria todo o xadrez geoestratégico, e não só do Oriente Médio.

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    PODER DE DISSUASÃO

    Até agora, o regime religioso tem feito um jogo ambíguo, parecendo disposto a lutar contra Israel até o último palestino do Hamas ou libanês do Hezbollah, sem correr riscos diretos. É quase como se soubesse que o ataque em massa desfechado contra Israel, com mísseis e drones, em 13 de abril, fosse ser interceptado.

    Se tivesse provocado um alto número de mortes, Israel inevitavelmente reagiria com o bombardeio de instalações nucleares e petrolíferas iranianas.

    Embora enceguecidos pelo ódio a Israel, os agentes do regime iraniano são racionais: sabem que podem ser bombardeados e humilhados, numa operação que seria centenas de vezes maior do que o ataque com caças F-35, o avião de guerra mais moderno do mundo, ao quartel-general do Hezbollah.

    É isso que se chama de poder de dissuasão: ser capaz de desfechar ataques tão absolutos que é melhor nem provocá-los.

    Segundo o New York Times, os conservadores do regime iraniano querem uma retaliação imediata e os mais moderados, inclusive o novo presidente – substituto do anterior, morto num acidente de helicóptero agora sob suspeita de ter sido acionado por um bipe turbinado -, pedem cautela. Dividir o seu maior inimigo é um dos subprodutos mais importantes do ataque israelense. O líder supremo, Ali Khamenei, estava entocado num bunker.

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    “Choque, raiva, tristeza e ansiedade”, disse ao Times sobre a reação dos poderosos iranianos o ex-vice-presidente Mohammad Ali Abtahi. “Falando realisticamente, não existe um caminho claro para nos recuperarmos desse golpe”.

    SABOTAGEM EM MASSA

    Israel tinha perdido a aura de invulnerabilidade e garantia de retaliação implacável há quase um ano, em 7 de outubro, quando não preveniu e demorou absurdamente para reagir ao ataque em massa do Hamas, que teve tempo suficiente para praticar – e filmar – inúmeros atos de atrocidade, inclusive incineração de pessoas vivas, estupros coletivos, fuzilamento de crianças na frente dos pais e outras aberrações que deixaram 1 200 mortos.

    A guerra em Gaza ainda tem resultados inconclusivos: o Hamas está profundamente desarticulado, mas Yahya Sinwar, o líder máximo, continua vivo e pequenos grupos de combatentes ainda saem da rede de túneis para atacar tropas israelenses. O Hamas estava até recrutando palestinos nos bairros onde moram, ainda com o status de refugiados, em Beirute – seu líder no Líbano acabou de ser levado para o martírio.

    Israel também não pode usar em Gaza o mesmo sistema de Beirute: bombas especiais antibunker que atingiram o mais profundo dos esconderijos nos subterrâneos de concreto armado do Hezbollah. Fazer isso em Gaza implicaria em matar os reféns israelenses e estrangeiros que continuam em poder dos terroristas (entre 30 e 70 vivos, segundo cálculos diferentes).

    As operações contra o Hezbollah foram planejadas durante anos, e incorporaram “novidades” mais recentes como a sabotagem em massa dos pagers e walkie-talkies. Sem os bipes, que substituíam os celulares facilmente rastreáveis, os comandantes militares tiveram que se reunir presencialmente e assim vieram os ataques devastadores, contra múltiplos integrantes da cúpula, um após o outro, até chegar em Nasrallah – mas sem parar nele.

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    “ESTABILIDADE DO ALVO”

    Segundo fontes israelenses, a decisão de seguir adiante foi tomada na quarta-feira passada, na confluência de boas condições operacionais com informações dos serviços de inteligência militares e civis, tendo com toda certeza agentes plantados no Líbano, além das detecções eletrônicas feitas por uma rede de drones e satélites. Em duas ocasiões anteriores, depois do 7 de outubro, essas condições foram consideradas ideais, mas não houve a aprovação política, sempre muito condicionada às reações dos Estados Unidos.

    Dessa vez, a partir da aprovação garantida, além de assinada por Netanyahu e o ministro da Defesa, Yoav Gallant, o mais difícil foi assegurar a “estabilidade do alvo” – ou seja, não despertar suspeitas que levassem Nasrallah a evitar ou fugir da reunião no QG.

    Foram feitas várias manobras de despistagem, desde militares até políticas, como a viagem de Benjamin Netanyahu para falar na Assembleia Geral da ONU e plantação de falsas notícias de que o primeiro-ministro estava “estudando a proposta de cessar-fogo no Líbano”, feita por Estados Unidos e França.

    Não poderia estar contemplando um acordo e mandar executar Nasrallah, certo?

    Erradíssimo.

    “HONRADOS E ORGULHOSOS”

    Os bombardeios foram uma sequência de dezenas de ataques com bombas de uma tonelada lançadas com intervalo de dois segundos, ao final dos quais cada um dos quinze pilotos confirmava “Alfa”. Participaram militares de 23 a 50 anos, da ativa da Força Aérea e reservistas, colocados em múltiplas funções, desde controle de voo até municiamento e a pilotagem em si.

    Todos, segundo as fontes israelenses, se sentiram “honrados e orgulhosos”. Alguns tinham parentes, conhecidos e companheiros de armas entre as vítimas do Hamas no 7 de outubro ou dos múltiplos ataques do Hezbollah ao longo dos 32 anos em que Nasrallah foi o chefão.

    Fez, pagou.

    Não é exibicionismo, nem demonstração desnecessária de superioridade bélica, nem “exagero”, como disse o cada vez mais desequilibrado papa Francisco. Quem começou unilateralmente a bombardear Israel foi o Hezbollah, em “apoio” ao Hamas. Para Israel, está em jogo a própria existência, que Hamas, Hezbollah e Irã prometem varrer da face da Terra.

    A capacidade de demonstrar aos inimigos que pode retaliar, e pesadamente, é uma questão existencial. Recuperar a iniciativa e estabelecer as regras do jogo de guerra são objetivos não apenas militares, mas de toda a população e de todos os partidos políticos, inclusive da oposição, que unanimemente aplaudiram a operação.

    E não foram só os israelenses a comemorar.

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