Ouvindo a nova dona do concurso Miss Universo, Anne Jakrajutatip, discursar – e fechando os olhos para o vestido semitransparente com decote até a linha do Equador – alguém poderia achar que estava num grupo de discussão de gênero de centro acadêmico.
Teve empoderamento feminino, claro. E saudações a uma nova era e compromisso com “diversidade cultural, inclusão social, igualdade de gênero, criatividade”.
Nessa nova era, o concurso será “dirigido por mulheres, pertencente a uma mulher trans, voltado para todas as mulheres do mundo”.
Anne atingiu os botões emocionais certos ao lembrar que, quando criança, sofreu assédio sexual por parte de um professor e rejeição social, mesmo na tolerante Tailândia, o mais reputado centro de cirurgias para mudança de sexo muito antes que isso virasse moda e entrasse no cardápio de serviços públicos de saúde.
Aos 43 anos, com um marido britânico, dois filhos de barriga de aluguel e uma borboleta como símbolo da metamorfose, ela só não mudou a voz de barítono.
Sua história tem todos os ingredientes da meritocracia. Seu pai era coletor de lixo, Anne trabalhou num posto de gasolina, colecionou títulos acadêmicos na Austrália e hoje tem empresas de produtos de beleza, de refrigerantes, de conteúdo digital e distribuição.
Pagou 20 milhões de dólares pelo concurso Miss Universo, que já foi de Donald Trump, e aparece em algumas listas como a terceira pessoa trans mais rica do mundo.
A primeira é Jennifer Pritzker, do conglomerado que, entre outras coisas, tem o grupo de hotéis Hyatt e o governador de Illinois, J. B. Pritzker. Jennifer, nascida James, tem 72 anos e fortuna avaliada em 2 bilhões de dólares.
Em segundo lugar ficar Martine Rothblatt, com 585 milhões de dólares criados do zero na indústria de biotecnologia e redes de satélites.
Também aparecem os ex-irmãos Wachowski, hoje Lana e Lilly, com uma montanha de dinheiro construída com o filme Matrix e seus desdobramentos.
Curiosamente, não tem nenhum homem trans entre os mais ricos. Um sinal, diriam feministas empedernidas, de que até quando viram mulher os homens têm vantagem.
O novo e politicamente correto Miss Universo montado por Anne Jakrajutatip atende a requisitos dos tempos atuais, incluindo um desfile de maiô ou biquíni de lateral bem larga, encobertos por capas esvoaçantes com temas como mudanças climáticas, exploração infantil, recursos aquíferos e correlatos.
Felizmente, as fofocas de sempre continuaram rolando. A intriga é que a nova dona favoreceu a linda Miss Estados Unidos de nome impronunciável, R’Bonney Gabriel, descendente de filipinos, em prejuízo da favorita, Amanda Dudamel, uma venezuelana que honra a tradição das rainhas da beleza de seu país.
Imaginem só, concursos de miss que, como reality shows, são manipulados. Tragam os sais.
Fazer o aggiornamento dos concursos de beleza é uma pauleira. Como dar o tom woke a uma atividade inteiramente baseada nos predicados físicos das concorrentes, que se apresentam sem terem sido forçadas para tal?
Israel deu uma solução radical: simplesmente acabou com os concursos de miss, depois de setenta anos de desfiles que revelaram, entre outras, um dos seres mais belos do universo, a atriz Gal Gadot. Outra das vencedoras, Sella Sharlin, Miss Israel 2019, argumentou que o concurso permitiu que ela criasse um grupo de associações voltadas para a educação financeira de jovens.
Mas não tem jeito. Quem rejeita por princípio que jovens mulheres sejam avaliadas pela beleza tem que adotar a solução israelense. Kaput, concurso.
Para tristeza dos loucos por um concurso de miss, que adoram torcer por seu estado ou seu país, empolgam-se apaixonadamente quando detectam favorecimentos indevidos ou apenas não resistem à breguice inerente ao conjunto da obra, especialmente quando envolvem trajes nacionais.
A beleza feminina tem um apelo enorme e atende à aspiração humana, inclusive ou principalmente das mulheres, por harmonia e até transcendência.
Junto com o Miss Universo, e sua crise existencial, a milionária tailandesa comprou também do grupo IMG o Miss Estados Unidos, levantando sobrancelhas tatuadas e botocadas a novos píncaros de desconfiança. A final foi em Nova Orleans.
Os Estados Unidos têm nove ganhadoras do título e a Venezuela, sete. Uma garantia de que haverá emoção na próxima disputa.
Só faltava Nicolás Maduro, um procurado pela Justiça americana, resolver comparecer.