Acostumada à imagem de perfeição quase sobre-humana que se espera de qualquer pessoa nascida em Los Angeles e criada no mundo do show business, Meghan Markle pode ter dado uma risadinha cúmplice ao ver as fotos mostrando o furo no sapato do príncipe com quem se casará no próximo dia 19.
Como atriz, ela sabe disfarçar bem. E é preciso um bocado de cara de paisagem para entrar no mundo cheio de regras não escritas da aristocracia e da classe alta em que vive seu futuro marido.
Usar roupas até acabar é um desses hábitos. Charles, o futuro rei e sogrão de Meghan, por exemplo, revelou recentemente que ainda usa um par de sapatos que comprou em 1971 e um paletó datado de 1969.
Por esnobismo invertido e pioneira militância ecológica, Charles, obviamente sempre trajando os incomparáveis ternos da alta alfaiataria inglesa, manda consertar roupas já gastas.
Às vezes, até se esquece, como no caso do casaco de inverno ligeiramente puído que usa em Sandrigham, o castelo que funciona como casa de campo da rainha Elizabeth.
Usou um fraque que já tinha há treze anos, da Anderson & Sheppard, para o segundo casamento, em 2005.
O longo caso com Camilla Shand, que aconteceu antes, durante e depois do infeliz casamento com a princesa Diana, foi outro exemplo de comportamento aristocrático.
Famosa ou infimamente, Charles, espantado com as crises de ciúmes de Diana, reclamou:”Eu não vou ser o único príncipe de Gales que não tem uma amante”.
Segundo Penny Junor, autora de uma biografia de Camilla, ela retomou o caso com Charles como uma vingancinha ao ficar sabendo que estava rolando um clima entre seu marido, Andrew Parker Bowles, e a princesa Anne, irmã do herdeiro do trono.
“As classes nobres tradicionalmente tinham uma atitude bastante elástica em relação à fidelidade conjugal”, escreveu Rowan Pelling, jornalista, comediante e editora de uma revista erótica.
“Se o seu cônjuge era infiel, você tinha duas escolhas: ignorar e se dedicar à jardinagem ou discretamente arranjar seu próprio amante. A única coisa a não fazer era reclamar. É por isso que todos os amigos de Charles desaprovavam Diana: ela protestava colericamente.”
Camilla e Diana eram da mesma esfera social, a princesa com pedigree superior ao da rival, como neta de conde (enquanto o avó era vivo) e filha de visconde, com um título de nobreza de quase cinco séculos.
A carência emocional de Diana, que o pai abusador não deixou morar com a mãe quando ela arranjou outro, talvez explique a expectativa de fidelidade conjugal que tinha. Quando não funcionou, teve uma série de amantes.
Fora a rainha e possivelmente o filho mais novo, Edward, os únicos integrantes da família real direta que têm um comportamento de fidelidade assumida são William e Kate.
Quando a tolerância não funciona, a alta aristocracia tem a opção de morar em alas separadas dos castelos (gelados e cheios de mobílias com vários séculos de pelos de cachorro acumulados). Os duques de Norfolk e de Rutland fizeram isso.
O primeiro casal se reconciliou depois de cinco anos separados no maravilhoso castelo de Arundel. Com 45 mil metros quadrados, o castelo, que começou a ser construído durante o reinado de Eduardo, o Confessor, no século XI, certamente permite vidas independentes.
O segundo casal continua cada um na sua ala, com os respectivos companheiros.
A estrutura de classes na Inglaterra é rígida e tem significados diferentes. Os pais de Kate Middleton, por exemplo, são milionários, com fortuna conquistada com o próprio trabalho, mas continuam sendo classificados como “classe média”.
Antes de ficarem ricos, o pai da futura rainha consorte foi despachante de voo e a mãe, aeromoça. Dizem que amigos esnobes faziam gestos, pelas costas de William, imitando as instruções de segurança dadas pelas comissárias de bordo.
Os verdadeiros aristocratas ligam pouco para isso. Um detalhe: na Inglaterra, só são considerados nobres os pares do reino hereditários. Harry, por exemplo, não é da nobreza – embora não seja plebeu no sentido comum da palavra, abreviada em inglês para “pleb” quando a intenção é estabelecer distinções de classe.
No dia do casamento, Harry e Meghan ganharão o título de duque e duquesa de alguma coisa, concedido pela rainha. O “alguma coisa” se refere aos ducados vagos, que podem ser reativados pelo monarca. Com isso, ela passará a ser tratada como Alteza Real.
As famílias altamente disfuncionais da aristocracia são de um jeito, a família americana de Meghan Markle é complicada de outro.
Harry só vai conhecer o pai dela, que vive recluso e aposentado no México, quando ele for para o casamento. Os irmãos por parte de pai já estão dando sua contribuição de baixaria, com “revelações” vendidas e dificilmente estarão na lista de convidados.
Curiosamente, a mãe de Meghan, Doria Ragland, também foi aeromoça, além de maquiadora e instrutora de ioga. Foi como maquiadora que conheceu o marido, Thomas Markle, diretor de iluminação. O casamento acabou logo, aparentemente com más recordações.
Vão se reencontrar no casamento espetacular da filha e, pouco antes, conhecer a família real. Uma coisa é garantida: serão tratados com suprema polidez pela rainha que está há quase um século no negócio de deixar à vontade pessoas intimidadas com a grandeza real.
E será uma diversão ver o que a princesa Anne, tia do noivo, vai usar. Ela guarda mais de 250 roupas acumuladas ao longo de uma vida de princesa, catalogadas e cuidadas por sua camareira, Veronica Cain.
Algumas, repete até trinta anos depois. Na maioria, são “esquisitas”, no sentido de coisas que só a realeza usa. Seguir a moda, evidentemente, é coisa de “plebs”.
Mas está aí um hábito que Meghan, como Kate antes dela, dificilmente vai adquirir. Qual é a graça de se casar com um príncipe se não for para transformar o mundo numa passarela?