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Liz Truss chega ao governo britânico com expectativas baixas

Ela não é nenhuma Margaret Thatcher, embora prometa cortar impostos num momento em que até seus pares ideológicos procurem meios de financiar a gastança

Por Vilma Gryzinski 5 set 2022, 08h33
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  • Vamos começar com o que Liz Truss não é. Não é carismática, não arrebata plateias, não cultiva ideias criativas, não tem profundidade econômica e nem a capacidade performática de Boris Johnson, a quem agora está a um passo de substituir, ou muito menos a certeza moral e e a convicção ideológica de Margaret Thatcher, o paradigma inimitável da defesa do liberalismo clássico e do estado que procura atrapalhar menos.

    A falta de expectativas pode ser uma vantagem para a, por todas as pesquisas, nova primeira-ministra, escolhida apenas pelo voto dos membros do Partido Conservador, segundo o sistema parlamentarista, depois que Boris atirou nos próprios pés com impressionante persistência até tornar inviável continuar como chefe do governo britânico.

    De onde não se espera nada costuma ser de onde não vem nada mesmo, mas Liz Truss se soltou mais durante a longa campanha em que ela acabou sistematicamente sabotou as chances de um adversário que tinha muito mais conhecimento para assumir o comando do reino num momento repleto de adversidades, Rishi Sunak, com experiência no sistema financeiro o qual o tornou milionário e na administração de crises como Chancellor of the Exchequer, o nome chique e histórico dos ministros da Economia do Reino Unido.

    Ser rico atrapalhou um bocado as pretensões de Rishi, ridicularizado por usar mocassins Prada na visita a um canteiro de obras e desfilar ternos de 3 500 libras. Enquanto isso, partidários de Liz destacavam suas mais do que modestas bijuterias, incluindo um brinco de 4,5 libras.

    Mais do que o figurino, a base conservadora rejeitou aumentos de impostos para empresas e na contribuição social de trabalhadores e patrões que deram a Rishi a imagem de falso liberal.

    Não existe árvore de dinheiro para cobrir a gastança obrigatória provocada pela pandemia e, agora, a crise energética, clamou Rishi. 

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    Os debates políticos na Grã-Bretanha costumam ser mais interessantes do que na média de países comparáveis porque envolvem ideias nascidas no berço do liberalismo – John Locke, Adam Smith, para ficar nos principais -, da revolução industrial, do pensamento do alemão Karl Marx (34 anos de residência em Londres) e do conceito de benefícios trabalhistas que construíram o estado de bem-estar social.

    Liz Truss convenceu a base conservadora de que “é e sempre foi uma defensora puro sangue do livre mercado”, segundo escreveu no Telegraph um colega dela em Oxford, Mark Littlewood. Na época de Oxford, ela era liberal democrata, uma espécie de centro-esquerda esclarecida. Os conservadores relevaram esse desvio de juventude e até o fato de que ela fez campanha para o país não sair da União Europeia.

    Num país com história milenar, é claro que já houve primeiros-ministros que chefiaram o governo em tempos sombrios. William Pitt conseguiu pegar, em dois períodos, a Revolução Francesa e as guerras napoleônicas. Winston Churchill assumiu em maio de 1940, menos de um mês antes da queda da França diante da Alemanha nazista que deixou as ilhas britânicas como solitário reduto da resistência.

    Mas, na história recente, nenhum outro primeiro-ministro, desde Margaret Thatcher, pegou tantos pepinos quanto os que se alinham sobre a mesa de Liz Truss a partir de amanhã. A inflação vai chegar a 13% em outubro – e algumas previsões falam em até 22% no ano que vem. A crise energética é uma encrenca cabeluda, ainda mais para uma primeira-ministra que vai ter que conciliar sua crença nas soluções do mercado com a quase obrigação de subsidiar os mais vulneráveis, estabelecendo, no mínimo, um teto para contas de luz e de gás com aumentos de 300%, 400% ou até 1 000%. Uma solução especulada seria um congelamento dos preços imediato.

    Truss prometeu que vai reverter o aumento de impostos e contribuições arquitetado por Rishi Sunak, diminuir o tributo equivalente ao ICMS, aumentar os benefícios para 8,5 milhões que recebem cheques do governo, reformar o sistema público de saúde, reduzir em 20% os crimes violentos, engordar o orçamento militar, facilitar a compra do primeiro imóvel, controlar a imigração ilegal e enfrentar os sindicatos para a manutenção de serviços em épocas de greve. Não é impossível que pegue também a transição monárquica, com a rainha aos 96 anos e quase reclusa. A despedida de Boris e a amplamente presumida apresentação de Liz Truss diante de Elizabeth II deverá ser no castelo que ela tem na Escócia, Balmoral, para evitar um trajeto incômodo até Londres.

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    As enormes tarefas diante de Liz Truss têm um prazo apertado – ou objetivamente impossível – de apenas dois anos. Em 2024, haverá eleição geral. Pelas pesquisas atuais, a oposição trabalhista teria 37% dos votos e os conservadores, que Boris liderou numa espetacular maioria de 80 deputados em 2019, apenas 33%.

    Liz Truss nasceu numa família de esquerda e nunca sequer conheceu alguém que fosse do Partido Conservador nas primeiras fases da vida. Ela ainda não tem certeza se seu pai, professor de matemática pura, votará nela em 2024. Vai ter que mostrar um bocado de trabalho se quiser convencê-lo – e um eleitorado frustrado com as adversidades econômicas.

    Sua filha caçula, com o marido Hugh O’Leary, se chama Liberty e é difícil não ver pendores libertários nesse nome, embora ela não ande com um livro de Hayek na bolsa, como Margaret Thatcher. Ninguém espera que reproduza a Dama de Ferro. 

    Só tem que não ser um desastre e enfrentar a crise brava com convicções e, também, pragmatismo.

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