“Vai cair! Vai cair!”, grita um homem na multidão. E a estátua de Hugo Chávez realmente vem abaixo, derrubada com golpes de marreta e amarrada com cordas puxadas por motoqueiros, em cenas que rodaram o mundo.
Quantas vezes vimos isso acontecer? Marx, Lênin, Saddam Hussein, ícones de regimes que pareciam eternos, varridos pela fúria popular.
O mesmo acontecerá na Venezuela? Ninguém pode dizer. Mas o grito de raiva com a fraude que eliminou a última esperança de redenção de tantos venezuelanos exigirá repressão pesada para ser enfiado de volta na garrafa.
As estátuas de Hugo Chávez foram derrubadas em três cidades. A cabeça de bronze de uma delas foi rebocada, acorrentada, por um motoqueiro. O jornalista Juan Diego Quesada comparou o ato, no El País, ao corpo do herói Heitor arrastado por Aquiles diante das muralhas de Tróia.
DE MÃOS NUAS
Uma comparação poética, mas inadequada: não há nada de heróico nos personagens do regime venezuelano. Ao contrário, são as pessoas comuns arrastadas pela revolta para as ruas, de mãos nuas, exceto pelas marretas – uma formidável ironia: Diosdado Cabello, considerado o segundo homem mais poderoso do regime chavista, tem um programa de televisão em que deixa um porrete sobre a mesa e fala barbaridades.
María Corina Machado, a mulher incrivelmente corajosa que o regime de Nicolás Maduro, não conseguiu calar contou ao site argentino Infobae, na véspera da eleição fraudada, como os milicianos de moto, sustentados por uns trocados pelo regime, eram mobilizados contra os comícios de rua que ela fazia, única forma de conduzir uma campanha totalmente sabotada.
Gradativamente, à medida em que a campanha empolgava o país, muitos motoqueiros foram mudando de lado: passaram a dar proteção aos comícios oposicionistas.
Os protestos contra a fraude só conseguirão mudar a situação na Venezuela se os detentores das armas também mudarem de lado.
DESEJO DE LIBERDADE
Entrou para a história a decisão do capitão da guarda fronteiriça da Alemanha Oriental que não deu ordens para atirar contra a multidão que se reunia pacificamente junto ao Muro de Berlim, esperando a abertura das passagens que já havia sido anunciada por um político comunista.
O Muro caiu sem derramamento de sangue em 9 de novembro de 1989, o regime comunista da Alemanha foi-se em seguida, todos os satélites dia Europa Oriental desmoronaram e finalmente acabou a União Soviética.
Foi o acontecimento histórico mais importante do mundo desde o fim da II Guerra Mundial.
O que é um país latino-americano, por mais petróleo que tenha, comparado a esse acontecimento transformador?
PÁGINA NA REDE
Pode não ter muita importância, mas os valores envolvidos são os mesmos: o desejo de liberdade, de democracia, de representantes eleitos pela maioria e de respeito a regras que valem para todos. O Estado de Direito em sua forma mais elementar.
Os acontecimentos na Venezuela importam, sim, mais ainda para nós, no Brasil.
María Corina Machado disse que a oposição teve acesso a 73% das atas eleitorais e que o resultado parcial dá 2 759 256 votos para Maduro e 6 275 182 para Edmundo González, o candidato que ela – e o desejo de mudança dos venezuelanos – transformaram em ganhador em condições praticamente impossíveis.
Para quem duvidar, a página está na rede, embora muitas vezes caindo por excesso de tentativas de acesso.
BONDE ERRADO
Todos os países cujos diplomatas foram expulsos pelo regime chavista têm do que se orgulhar. Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá, Peru, República Dominicana e Uruguai não falharam na hora de cobrar a fraude, mesmo nos casos em que os termos foram diplomáticos e cautelosos.
É nessa hora, quando é preciso escolher entre o certo e o escandalosamente errado, que se vê a coragem de um governante.
E que dá uma vergonha profunda de quem “saúda o povo venezuelano” pela “jornada pacífica, democrática e soberana”. Sem contar as palavras de Maduro, jactando-se: “Eu dizia hoje para Celso Amorim…”. Ah, que vergonha.
Enquanto isso, eram derrubadas as estátuas de Chávez e surgiam os cartazes com um clamor universal: “Chega de ditadura”.
Em proporções muito menores, mas simbolicamente significativas, quer dizer tomar o bonde errado da história e tentar impedir a queda do Muro de Berlim.