Normalmente uma data a ser enfrentada com reflexão e compunção, o Dia da Memória do Holocausto em Israel acontece este ano contra um pano de fundo tenebroso: a rapidez e o entusiasmo com que a fina flor da juventude, os alunos das melhores universidades do mundo, dos Estados Unidos à Suíça, expôs o antissemitismo em sua nova e perversa matriz, o caldo de cultura esquerdista.
As manifestações de ódio aos judeus nas universidades americanas copiaram, nos gestos e nas palavras, as barbáries proferidas normalmente na Cisjordânia e em Gaza pelos mais extremistas. “Voltem para a Polônia”, disseram em Columbia. “Queimem Tel Aviv até o fim”, cantaram estudantes americanos vestindo a bandana do Hamas reservada aos “mártires”, os que dão a vida para matar judeus. “Os sionistas não merecem viver”, proclamou o jovem Khymani James. “Al Qassam, nos dê orgulho, mate mais um soldado”.
Al Qassam é o braço militar do Hamas.
O que está acontecendo nas universidades americanas, onde professores apoiam os gestos mais extremistas dos alunos aos quais ensinaram todas as teorias do ódio sob o disfarce do pensamento pós-moderno, concerne a todas as pessoas do mundo preocupadas com a justiça e com as terríveis lições que a história do século XX nos deixou.
DESCONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO
Não é preciso apoiar Israel incondicionalmente nem concordar com a forma como a guerra de Gaza está sendo travada para ver que algo está terrivelmente errado. Como é possível que o pacifismo, com suas nobres raízes, tenha sido transformado em apologia e glorificação do terrorismo em suas manifestações mais abomináveis?
Também é perfeitamente possível entender e apoiar a causa palestina por um país próprio, mesmo que este nunca tenha existido antes. Ter um país com língua, fronteiras e instituições políticas compatíveis com sua etnia, cultura e religião é uma aspiração justa, embora muitos povos ainda não desfrutem desse direito, incluindo no próprio Oriente Médio, como os curdos.
Mas o que explica que a esquerda tenha se fundido sistemicamente com organizações islamistas fundamentalistas como o Hamas ou o Hezbollah?
Como o antissemitismo, classicamente enraizado na extrema direita, está sendo tão intensamente endossado pelas esquerdas que dominam os ambientes acadêmicos e intelectuais?
Todo mundo já entendeu a relação entre as teorias neomarxistas de desconstrução de todo o pensamento ocidental e a identificação de Israel como um “inimigo colonial” e dos judeus em geral – cinicamente chamados de “sionistas” – como o extrato privilegiado e “branco”.
É uma terrível ironia. O pensamento maldito que conduziu ao Holocausto identificava os judeus como uma raça inferior a ser varrida da Alemanha ariana e pura, onde médicos e cientistas constantemente tiravam medidas para “comprovar” a abjeção dos que conspurcavam a raça superior.
Em nome dessa maldição, cerca de seis milhões de judeus foram eliminados entre 1933 e 1945. Dentre estes, 1,5 milhão de crianças. Eram as primeiras a ser levadas para as câmaras de gás, juntamente com os de mais de 50 anos e os doentes. Os adultos fortes trabalhavam até durante alguns meses antes de serem “trocados”. No período mais “produtivos”, entre agosto e outubro de 1941, foram mortos em média 14 348 judeus poloneses por dia.
SONO LEVE
As imagens mais conhecidas são as desses campos de extermínio onde poucos fantasmas humanos sobreviviam quando os alemães derrotados fugiram, tentando até o fim matar os últimos infelizes. Mas também estão gravadas na história universal da infâmia as vítimas do “holocausto das balas”, as incontáveis covas coletivas em que judeus dos países da Europa Oriental invadidos pela Alemanha eram fuzilados.
O sionismo, a ideia de um país próprio para os judeus, precede amplamente o Holocausto. Seu codificador, o austríaco Theodor Herzl, escreveu o manifesto O Estado Judeu em 1896.
Mas foi o Holocausto que, numa simplificação histórica, criou a justificativa moral, aos olhos do resto do mundo, para o Estado de Israel. Foi como uma dívida a ser paga – sem contar um destino para os sobreviventes do genocídio que não podiam ou não suportavam a ideia de voltar para onde moravam antes.
Demonizar este Estado, com toda sua obviamente complicada história, como a encarnação do mal e fazer festivais de ódio aos judeus é uma abominação que parece ter sido “normalizada”. São os jovens sendo jovens, fazendo o que se espera dos jovens, dizem os falsos tolerantes quando garotas e rapazes se fantasiam de terroristas do Hamas.
Cada vez mais, descobre-se que estas manifestações foram cuidadosamente preparadas, com cursos online dado por organizações como o Samidoun, simpatizantes do terrorismo.
O intelectual irlandês Conor Cruise O’Brien fez uma definição que está sendo, tristemente, relembrada nos dias atuais. “Sempre existem pessoas para as quais o antissemitismo tem um sono leve”, disse ele.
Que esse sentimento reprimido aflore entre defensores de ideias de esquerda, justamente o pensamento que atraiu tantos judeus e outras minorias ao longo da história por defender a superação de todos os preconceitos, e discriminações, deve nos assombrar da mesma forma que aqueles fantasmas humanos saídos dos campos de extermínio do nazismo nos encaram há oitenta anos. E exigem de todos nós que não permitamos que o TikTok determine o que devemos pensar – e o que devemos esquecer.