Parece até Brasília, com a criminalização oficial de opiniões que não combinem com a linha justa tirada pelo comitê central: a polícia da Irlanda está “avaliando” se o explosivo lutador de MMA Conor McGregor, uma das maiores celebridades do país em todos os tempos (e isso inclui James Joyce), incorreu em discurso de ódio ao criticar a reação do governo aos protestos violentos que se seguiram ao esfaqueamento de três crianças na porta de uma escola de Dublin.
O caso ficou conhecido no Brasil porque o entregador carioca Caio Benício estava passando, viu a cena horrenda de uma menininha de cinco anos sendo esfaqueada no peito por um homem, largou a moto no chão e deu um golpe de capacete no agressor. Foi provavelmente o melhor delivery de todos os tempos: o homem caiu no chão, neutralizado.
Conor McGregor elogiou: “Bravo para nosso irmão brasileiro na Irlanda, que trabalha duro, ganha a vida e contribui para a sociedade irlandesa”. E prometeu: “Você vai comer de graça para sempre no meu estabelecimento” – é dono dos restaurantes The Black Forge. Uma vaquinha espontânea levantou 400 mil euros para Benício.
Um final feliz numa história tristíssima, já que a menina continua em estado grave.
Com a suspeita de que o atacante seja um imigrante argelino naturalizado irlandês, as redes sociais pegaram fogo. Como em outros países europeus, os imigrantes que vivem de auxílio público, em guetos não integrados e, na definição de McGregor, não “contribuem para a sociedade”, são um problema.
Como celebridades contemporâneas opinam sobre tudo, o lutador criticou a polícia por focar em “hooligans de extrema direita” – isso num país que não tem sequer um partido conservador. Talvez venha a ter e talvez McGregor seja um de seus criadores, agora que se tornou alvo de “avaliação” policial por suposta incitação aos protestos – algo que ele não fez.
Com 47 milhões de seguidores no Instagram e 10 milhões no X, além de 200 milhões de dólares na conta para bancar o que quiser na vida pós-octógono, ele tem cacife para mudar de modalidade.
Parece que McGregor está gostando da coisa, nada surpreendentemente. No domingo, ridicularizou, com razão, um post absurdo do primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, por ter comemorado o caso de “uma menina que estava perdida e foi encontrada”, uma insensata referência à Parábola do Filho Pródigo.
Sim, nesses termos falou sobre a pequena Emily Hand, a menina israelense de nove anos que tem também nacionalidade irlandesa, e estava entre as vítimas sequestradas pelo Hamas, tendo passado cinquenta dias debaixo da terra, em condições ainda não divulgadas, depois de ver a madrasta assassinada no ataque de 7 de outubro.
“Ela foi sequestrada por uma organização terrorista maligna”, retrucou o lutador. “Qual é o problema com você e seu governo e seus protegidos da mídia que procuram constantemente minimizar atos horríveis que acontecem com crianças. Você é uma desgraça”.
Varadkar realmente errou feio a ponto de Israel chamar a embaixadora irlandesa para passar pito. Para analistas conservadores, ele apenas expressou uma reação automática das esquerdas, de tentar relevar as monstruosidades praticadas pelos terroristas provenientes de Gaza em Israel.
O primeiro-ministro também reflete interessantes transformações na Irlanda: é filho de pai indiano, gay e um esquerdista que mantém as políticas de livre-mercado que transformaram o país.
O “tigre celta” deu o pulo do gato em 2003, quando baixou o imposto das empresas de 40% para 12,5%. Mais de 1 500 multinacionais, principalmente as de alta tecnologia, mudaram suas sedes para lá. No auge, o crescimento do PIB atingiu 26% ao ano e a renda per capita bateu em 100 mil dólares.
É esta liberalização formidavelmente bem sucedida da economia que Javier Milei declarou que pretende replicar na Argentina – mesmo sem ter a vantagem de fazer parte da União Europeia, como aconteceu com a Irlanda, e sofrendo com a desvantagem da instabilidade terminal.
É o fenômeno irlandês replicável? E tem a Irlanda condições de administrar bem o grande fluxo de estrangeiros numa sociedade outrora homogênea de apenas cinco milhões de habitantes? Escapará da armadilha politicamente correta como o pacote de “leis contra o discurso do ódio”, criminalizando em excesso críticas como as de Conan McGregor?
E irá o próprio lutador, que, aos 35 anos, precisa pensar em alternativas, entrar no octógono da política? Força nas redes ele já tem. E palavreado também. Depois de dizer que não endossa nenhum tipo de protesto violento, ele acrescentou: “Precisamos de mudanças. E rápido. Estou no processo de promovê-las. Acreditem, sou muito tático e tenho apoio. Haverá mudanças na Irlanda, podem escrever”.
É ou não discurso de candidato?